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Líderes do Yoga no Brasil


Foto cedida por Glauco Tavares

foto cedida por Glauco Tavares

Eu quero aqui esclarecer de forma mais clara a tese que defendo sobre a estrutura econômica-espiritual que sustenta a economia dos líderes ioguicos brasileiros, sobretudo a relação entre Escolas de Yoga e os Cursos de Formação de novos professores.

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Antes de iniciar é necessário compreender que o microuniverso ioguico brasileiro está em formação, por isso, talvez, a dificuldade de alguns em perceber essa dialética. Outro empecilho é o escasso número de estudos sobre o ioga fora do âmbito das terapêuticas espirituais.

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Um dos argumentos contrários é que o modelo de várias escolas, como as franquias adotado pelo Mestre DeRose que defendo no artigo “Filhos do DeRose” (em outro post com o mesmo nome) não é verdadeiro, pois, afirmam (na sua maioria, ex-alunos do próprio DeRose), que os professores de ioga possuem apenas uma escola (e não várias) - ao contrário do DeRose e semelhante a outro iogue brasileiro, Prof.Hermógenes. Outra é que este “modelo empreendedor” não é do Mestre DeRose, mas da cultura ioguica norte-americana que invade o Brasil a partir dos anos de 1990.

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Mas vamos a cada um deles.

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Sim, é quase óbvio que nem todos professores líderes-referência tenham uma rede de “Shalas” (local em que os iogues se reúnem para estudo dos textos e práticas rituais corporais) e, muitos até pararam de ministrar aulas regulares para turmas, passando a se dedicar apenas aos seus cursos de formação para novos professores de ioga. Então, onde estão os meus argumentos que sustentam a ideia que o modelo "deroseano" venceu ao do Prof.Hermógenes que só teve, a vida inteira, apenas uma pequena sala no centro do Rio de Janeiro, e nunca produziu um curso de formação para professores de ioga? Compreenda primeiro que, o microuniverso ioguico brasileiro está em formação ainda, isso significa afirmar que o quadro social do ioga brasileiro não está completo, mas em processo. Não obstante, vou tentar exemplificar meus argumentos com uma historinha.

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Pense que você não seja um “líder” como eu coloco, mas um professor de ioga recém-formado. O que o fez escolher essa formação e não outra? Valores, proximidade de onde mora, conteúdo programático completo? Provavelmente não, isso veio depois. Invariavelmente, foi por indicação do seu professor de ioga antigo (muitas vezes você busca cursar a formação dele, pois gostou das aulas dele). Em suma, marketing (no bom sentido)! Você considera ele um bom professor, obviamente, quem o formou também o seja. Ele “vendeu” a formação do professor dele para você, mesmo sem receber qualquer comissão por isso. Você já inicia o curso de formação considerando com uma boa referência.

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Pois bem, você se formou com o professor do seu professor (ou de algum outro que indicou, sempre é quem indica). De certa forma, você agora faz parte uma “linhagem”, de uma perspectiva do ioga herdada do seu antigo professor. Você, ainda ministrando aulas regulares, depois de alguns anos (às vezes meses, quando não, antes de se formar professor), decide que é a hora (alguns dizem que receberão “um chamado”) de abrir o seu próprio curso de formação para novos professores de ioga na sua shala - e o curso prospera. Você não o faz isso (ou pelo menos nunca o declara publicamente), pois precisa de dinheiro e, como qualquer pessoa, precisa sobreviver. Não, o faz pois é seu "dharma", “chamado” ou, o mais comum, “tem tanta gente se equivocando sobre o sentido do ioga, que eu preciso resgatar a sua Verdade”.

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Mas depois de alguns anos, um de seus formandos lhe propõe produzir a "sua" Formação na cidade dele, em outro Estado. Você pensa um pouco (segundos), às vezes reluta, pois o ioga prega o Desapego às coisas materiais; mas se convence que é o momento (“outro Chamado”) em disseminar sua maneira de “ver” o ioga para outros. Afinal, é apenas um encontro por mês e dará para continuar com as suas aulas regulares e sua formação de sucesso na shala que já está, pois a nova formação será sexta e sábado, mas domingo já está de volta em casa. E encara a sua face de “líder de ioga” se desenhando, mesmo sem o saber. Ainda falta muito, mas os primeiros passos já foram dados: 1) curso de formação de sucesso e 2) a sua segunda “shala” ganhando vida, ou seja, o seu segundo espaço de ioga agora existe. Você não desenvolveu franquias propriamente dito como DeRose o fez, mas o seu modelo de ioga está sendo franqueado e vendido da mesma maneira.

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Você, ainda um simples professor de ioga (não é líder de nada), sente-se muito bem; todos os seus alunos lhe adoram e está formando agora uma média de 50 alunos professores de ioga por ano (25 de cada uma das suas turmas). Depois de 2 anos serão mais de 150 alunos, ou seja, pretensos professores do ioga que você semeia ao microuniverso do ioga brasileiro. Seus alunos e novos professores de ioga estão espargidos por aí divulgando a "sua" pedagogia ioguica e forma de pensar o ioga (seja ela mais eclética-híbrida ou elitista-tradicionalista). Imagine agora, continuando a nossa historinha, mais dois alunos seus lhe propõem produzir sua formação em mais duas novas cidades. Você é claro, não pensa no dinheiro, apenas na esperança de promulgar a comunhão do Bem, Eu Maior e/ou sistema de crenças de seu Guru, ou da "Tradição".

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Você, um professor de ioga que ministrava 3-5 aulas por semana em sua própria sala de ioga ou de outros, está em 6 capitais do Brasil e duas cidades de Portugal (destino mais óbvio dos iogues brasileiros seguirem), p.e. São, neste momento, mais de 350 professores por ano formados por nosso hipotético professor de ioga. Agora, ele é reconhecido no microuniverso ioguico que mesmo criou, compreende onde chegamos? Se, este quase-líder de ioga possuir um líder-guru que segue e divulga a sua linhagem-tradição-método de ioga, estará em um nível social alto na hierarquia desta escola de ioga. Mas, pode ser que ele tenha rompido com o seu professor de formação (ou nunca se filiou verdadeiramente a ele), e vence o momento de legitimar a sua formação e seus formandos levando-os à terra Natal do ioga: a Índia. Esse passo é o mais importante para o seu caminho de líder-referência se consolidar por completo, já que a forma como conduz seus alunos/professores/discípulos(?) aos locais “sagrados” o tornará, aos olhos de seus “peregrinos” (e dele mesmo) um verdadeiro Guia-Espiritual. Aconselho a você mais observador e interessado ler Levi-Strauss, quando descreve um cético que consegue ser iniciado pelo xamã da tribo, mas com o intuito de desmascará-lo. Com o tempo, a partir do sucesso de suas curas mágicas, Levi-Strauss mostra que este cético começa a desconfiar se ele não seja realmente um xamã de verdade. As observações antropológicas aqui revela o quanto somos legitimados pelo olhar dos outros: uma construção social da realidade.

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Nosso herói-iogue da historinha ilustrativa agora, é um líder que não tem tempo mais para ministrar aulas regulares propriamente ditas e começa a se dedicar full-time na produção das suas formações para novos professores de ioga e na organização das viagens-peregrinações aos locais que "ele" considera “sagrados” (seja na imensa Índia, mas também Machu Pichu e até Japão ou o deserto do Atacama). Essas viagens se tornam divulgadoras de seus cursos de Formação, e agora, muitos, antes de se lançarem em uma Formação, resolvem “peregrinar” com este iogue-líder para conhece-lo melhor. Temos agora dois produtos a venda (Formação e Peregrinação), e um terceiro adentra, fechando a tríade de marketing religioso-espiritual ioguico brasileiro: a venda de cd’s e dvd’s de iogues cantores (igual aos clérigos cristãos), mas também livros (prosa, poesia e tradução/comentários de textos divinos). Ultimamente, acompanhando a onda digital, entra em cena os cursos online: maior velocidade, comodidade e potente disseminador dos ideais ioguicos dos novos líderes de ioga no Brasil.

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Sim, o modelo de franquias de escolas de ioga pode não ser igual ao do Mestre DeRose, mas foi aperfeiçoado e com menores riscos de investimento, bem aos moldes das “sociedades líquidas” de Z.Bauman e produtoras de "cansados" (Chul-Han, Sociedade do Cansaço). Os "filhos do Derose" compreenderam os erros cometidos pelo pai e não cobram marcas registradas com o nome deles ou de suas marcas, mas disseminam, igualmente, seus sistemas de crenças e, sem “cobrar nada”, seus formandos-professores-discípulos promovem suas crenças em troca de um marketing espiritual gratuito.

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Ah, o modelo não é do Derose, mas norte-americano! - afirmam outros. Não, o modelo de franquias e/ou da vinculação a uma escola, seja do Iyengar, Jois ou Shiva Rea foi iniciada pelos indianos renascentistas (leia outro post sobre a história do ioga moderno aqui mesmo). Desde que Vivekananda trouxe o ioga para Boston/EUA em 1897 que este modelo vigora. O próprio Sivananda e Yogananda estimulam seus alunos a abrirem suas próprias escolas (shalas). É uma proposta proselitista igual aos dos jesuítas em levar a “Palavra” para os “bárbaros”. Nada de novo no horizonte, mas que foi DeRose o primeiro a obter sucesso no ioga como um "empreendimento social e econômico" no Brasil, não há dúvidas. Pode não ter sido eleito o mais "querido", isso Prof.Hermógenes é o sucesso. Entrementes, no quesito empreendedorismo ioguico, DeRose venceu.

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Antes mesmo de qualquer brasileiro ouvir falar de algum guru indiano chegar com essa proposta em terras latino-americanas, foram DeRose e Hermógenes os mais importantes divulgadores-líderes-referências do ioga brasileiro.

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