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Renovação Espiritual no Ioga


O texto a seguir não tem a pretensão de ser acadêmico ao pé da letra. Pense nele mais como um esboço, um ensaio sobre as ideias que precisam ser estruturadas melhor no meu corpo (não somente na minha mente). Assim, leia de forma despretenciosa, mas crítica, pois foram tentativas de organizar o meu projeto de doutorado ainda em andamento.

O Hatha Yoga classificado pela academia como pré-moderno (leia-se período medieval indiando) tiveram as suas escrituras (Pradipika e Samhita, principalmente) ressignificadas em contato com o mundo científico Ocidental - sobretudo os ingleses que colonizavam as terras indianas (leia mais na dissertação de mestrado de SIMOES, 2011). Desse encontro e transformação vimos a fisiologia sutil, “energética” ou metafísica dos textos yoguicos “sagrados” de outrora ganharem nomenclaturas e conceitos emprestados da fisiologia biomédica. Assim, chackras foram (re)pensados como glândulas, nadis como sistema nervoso autônomo e prana como oxigênio, dentre inúmeros outros exemplos.

O Yoga (especificamente a tradição do Hatha Yoga - e quando digo isso, me refiro muito mais aos indivíduos adeptos do HY e menos das tradições que os representam) parece ter deslocado a sua soteriologia sutilmente. Onde antes víamos o foco da prática/vivência em atenuar a ação dos Klesas (sentimentos de apego, aversão, orgulho e medo) para a obtenção de Viveka (discernimento), e aí alcançar Kaivalya (libertação). Hoje, parece que o cerne está mais para a atenuação dos Vrttis (definido por eles, hatha yogues modernos do Brasil e de forma popular, como "turbulência das ondas mentais”).

Dentro dessa perspectiva, a prática e vivência do Yoga também se transformou; de uma proposta religiosa parte do complexo hinduísmo (lit.darsana) em um processo individualizado de cura e renovação espiritual. Tentarei me explicar melhor. Vivemos em uma sociedade absolutamente diferente da Índia de Patanjali (séc.II aC), que se transformou com o advento do período medieval, sofrendo influências dos mulçulmanos, do movimento contracultural denominado Tantra, da alquimia, do budismo e, principalmente da filosofia Vedantina Advaita (leia mais sobre Vedanta Advaita na tese de doutorado de GULMINI, 2008). Veja bem, o que pretendo deixar claro é que dependendo da onde estamos inseridos nos adaptamos a essas mudanças. Assim, o mundo pós-moderno em que vivemos é marcado pela transitoriedade, ambivalência e “fluidez” (BAUMAN, Z. se refere a esse mundo de “mundo líquido-moderno”). Nada é permanente, tudo é “líquido”, o que eu me apego hoje, amanhã (sem metáfora) é ultrapassado, velho e antiquado (assista ao filme “A história das coisas”, é baseado nos trabalhos de Bauman). Dessa forma, os Klesas são muito difíceis de serem identificados, pois o que nos causa apego, aversão, medo e orgulho agora, pode não ter sentido nenhum amanhã. A soteriologia do Yoga então está fadada ao insucesso? Não, para o hatha yogue "pós-moderno", corpo, alma e espírito são um, mesmo e único ser. A dor, o sofrimento, o “mal do espírito” também se revelam no corpo por meio dos Vrttis! Para os hatha yogue pós-moderno, as repercussões fisiológicas e as doenças contemporâneas como ansiedade, estresse, quadros depressivos, são todos reflexos de uma sociedade consumista e doente espiritualmente que são compreendidos como uma desarmonia da(s) “energia(s)” do(s) corpo(s).

A dor física (orgânica) e mental (psicológica) é compreendida (por causa da visão não dual de mundo) como reflexo das dores e sofrimentos (mal?) espiritual (da alma). Assim, a prática yoguica passa a significar hoje muito mais uma “peregrinação” em rumo a harmonização energética do ser humano. Isso pode ser alcançado por intermédio da prática de mantras, kriyas, ásanas, pranayamas e a meditação propriamente dita. Ou seja, o que chamamos de “prática” popularmente está mais para um “ritual de cura” para a obtenção de saúde e bem estar, agora quase (hipótese minha defendida em SIMOES, 2015) sinônimos de Samadhi (espécie de experiência mística/espiritual/religiosa) e Kaivalya (termo quase esquecido entre os adeptos do Yoga pós-modernos - verificado em entrevistas qualitativas). Parece-me que o objetivo último dos yogues hoje, ou seja, “libertação” ou “iluminação” está na obtenção de uma espécie de “saúde e bem-estar energético”.

Como resultado, de uma forma geral nos anos 1990 e 2000, iniciou-se uma briga (quase) velada por "resgastar a tradição do Yoga" (qualquer yogue brasileiro já deve ter ouvido isso alguma vez nestes últimos anos quase como um mantra), por ser nítida a ambivalência do foco excessivo no corpo físico apenas. A medicina se apoderou sem dó nem piedade dos benefícios terapêuticos do Yoga. E, coloca-se praticantes de yoga e meditação dentro de ressonância magnética, mede-se a variabilidade cardíaca em diversos ásanas, investiga-se os caminhos neuroquímicos de diminuição do estresse por meio de pranayamas. Parece que nesta primeira década do séc.XXI, os yogues tem percebido a gigante ambivalência em que se meteram quando aceitaram o convite da ciência em estudar a sua espiritualidade, pois se o Yoga não é religião nada impede a medicina, a psicologia, a fisioterapia e a educação física de se apoderarem de seus rituais e práticas e transformá-los em "técnicas" profanas de cura, terapia e prevenção das mais diversas doenças e moléstias orgânicas.

Pois bem, retorno agora ao início da minha abertura. O Yoga, que não é bobo nem nada, corre hoje atrás de sua autoridade religiosa/espiritual (leia aqui o artigo O produto do Yoga). A única forma disso ocorrer é tornando plausível a sua soteriologia (proposta de salvação). Assim, parece que o Yoga "pós-moderno" (ou contemporâneo) está transformando a sua prática cada vez mais “espiritualizada” e sincretizada com a cultura religiosa brasileira. Vejo a prática do Yoga no Brasil caminhando na direção de um ritual de cura, mas diferentemente das religiões brasileiras, o Yoga (assim como outras advindas do movimento religioso denominado Nova Era) é individual. Essa é a situação sui generis do Yoga: os yogues não dependem de nenhum curandeiro, xamã, mãe de santo ou médium, a sua cura só pode ser alcançada pelo esforço dele mesmo (Tapas, conceito do Yoga que significa lit. esforço sobre si-mesmo, prática ou ascese).

Antes de ler, críticar e bater no peito que o “seu” Yoga é o “autêntico” e que o do vizinho é uma cópia emprestada do que já foi “bom”, perceba as novas denominações, sincretismos e bricolagens que o Yoga vem tomando em seu contato com a cultura brasileira de classe média, globalizada e pós-moderna em que o Yoga está. Dê dois passos para trás, sente-se do alto de uma colina e observe o Yoga que você se dedica e vivencia (ou estuda). Ele é o mesmo de Patanjali ou Svatmarama? Provavelmente não. Talvez agora você esteja sentido na pele que também rema para o mesmo lado. Aceite, confie e agradeça.

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