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Comportamento iogue


As investigações com o Yoga hoje em dia concentram-se, sobremaneira, em seus benefícios para a saúde (uma forma laica de praticar e vivenciar o Yoga), além de suas repercussões experienciais místico-religiosas (dos chamados "neuroteólogos", que também não levam em consideração a sua doutrina religiosa/espiritual). Assim, pouco se sabe das reais repercussões comportamentais a longo prazo da vivência yoguica em seu contexto, pode-se dizer, "original", ou seja, religioso/espiritual. Acredita-se que mesmo praticado em ambiente laico, mais de 40% dos praticantes de meditação desenvolvam uma certa religiosidade/espiritualidade (CARDOSO, em seu livro sobre meditação).

O Yoga crê que o aumento da "atividade mental" ou do estado de desatenção (citta vrttis), e de mais 4 comportamentos (de apego, de aversão, de medo e de orgulho ou falsa identidade de si mesmo) conhecidos como klesas são a causa (ou fruto) da ignorância (avidya), que por sua vez, são o motivo de todo o sofrimento humano, gerando mais ignorância, mais desatenção e mais comportamentos nefastos. As práticas psicofísicas do Yoga e a sua doutrina religiosa/espiritual focam-se, dessa forma, na ruptura desse ciclo vicioso (roda de samsara ou ciclo reencarnatório) por meio de um caminho óctuplo (asthanga yoga): yamas, niyamas (10 códigos de conduta ético/moral), ásanas e pranayamas (posturas e respiratórios), prathyahara (estado consciencial de menor percepção e resposta autônoma dos estímulos sensoriais externos), dharana e dhyana (meditação propriamente dita) e samadhi (experiência místico-religiosa/espiritual de transcendência).

Sabendo que o Yoga possui um proposta soteriológica bem definida (descrita acima), assim, será possivel investigar a construção do comportamento religioso/espiritual do yogue por meio de análise psicofisiológica?

O conhecimento (realidade) do yogue, segundo os seus textos, advém não somente da leitura de sua doutrina ou de práticas isoladas, mas sobretudo ao longo das suas vivências, ou seja, do desenvolvimento de certa religiosidade/espiritualidade específica. Sabe-se muito bem que a elaboração do conhecimento (realidade) religioso/espiritual vai sendo construído pelo meio social e por nossa corporeidade (BERGER; BOURDIEU; DAMASIO; LAKOFF & JOHNSON). Dessa forma, parece lícito supor que o desenvolvimento do conhecimento (realidade) yoguico deve acompanhar alterações psicofisiológicas juntamente de mudanças comportamentais. Os neurotransmissores serotonina (5-HT), dopamina (DA) e as endorfinas já se sabe, estão envolvidos nas sensações de bem-estar, diminuição da dor e do medo, aumento da euforia e no sistemas neurais de recompensa; já o hormônio cortisol está envolvido com o eixo do estresse e, consequentemente, menor envolvimento de certos estímulos externos nefastos. Há inúmeros estudos que associam estes neurotransmissores e hormônio à prática do Yoga.

Considerando, sob a perspectiva do conhecimento científico, que a religião/espiritualidade é um constructo humano, portanto, pertencente tanto ao meio social, psicológico-cognitivo, semântico-semiótico (elaboração de cosmovisões) e neurofisiológico dos seres humanos (segundo teoria biocultural da religião de AM Geertz), hipotetiza-se aqui que estas substâncias neuroquímicas investigadas estejam também associadas ao comportamento específico de seus adeptos.

A minha hipótese é que a vivência do Yoga (práticas e doutrina) poderá predispor o seu adepto a um estado psicofísico de vivenciar esse mundo com menor temor, maior desapego frente as suas vicissitudes, realizações e ideias (que poderá ser verificado pelo menor secreção de cortisol, aumento da serotonina e dopamina, por ex., assim como testes psicológicos e análises qualitativas). Mas isso não significará a garantia do seu sucesso no Yoga, ou seja, o alcance da "iluminação", de kaivalya (lit.libertação) apenas realizando corretamente posturas, respiratórios e técnicas meditativas. A vivência do Yoga deverá construir uma realidade específica que propiciará ao seu adepto viver o "mundo do Yoga", com a esperança, a fé ou a graça (de Ishvara?) de que, em posse dessa maior "sabedoria discriminadora" (lit.viveka), o adepto alcance a libertação desse mundo ilusório, do sofrimento, da alienação, de samsara, de avidya ou de maya.

Por outro lado, será mesmo que o Yoga nos liberta ou nos aprisiona? As religiões /espiritualidades/ ciências/ filosofias tem, todas, o poder tanto de nos alienar quanto de nos desalienar ao mesmo tempo. O que separa o joio do trigo nesse momento talvez seja quando o devoto, o cientista ou o filósofo seguidor de tal tradição compreenda que existem muitas realidades, e dentro da sua "tradição" outras tantas; mas aí, este não será mais um yogue ou umbandista da tradição "x", um kantiano, um freudiano ou um cientista evolucionista, quântico ou qualquer outra designação, será simplesmente um Ser Humano, livre e desperto (e esperto). Será possível isso? Talvez sim, mas quando alcançarmos tal lucidez já teremos vivido, lido, visto e se envolvido tanto em contendas estéreis de quem tem a razão, que não vamos querer contestar mais nada, apenas contemplar, do alto, do que acontece quando não tem mais nada a acontecer.

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