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Relaxamento e Salvação: Yoga como nova religião terapêutica brasileira


Vivemos em uma sociedade ocidental do consumo, desde pequenos somos educados a construir, consumir e jogar fora “coisas”, nada dura muito tempo. Já cunharam vários nomes para esse modelo desde sociedade líquida-moderna, passando por ultramoderna ou simplesmente uma continuação da sociedade moderna. No entanto, o que é certo, é que produzimos um novo ethos e visão de mundo nas sociedades ocidentais contemporâneas, independente da denominação que adotemos. As religiões, como constructos humanos, estão também em constante mudança frente ao processo histórico da humanidade.

A ligação entre saúde, cura e religião é algo bastante evidente e sempre constante nos estudos sobre religião, assim, é lícito pensar que mudanças no conceito de saúde de uma sociedade também influencia na compreensão que os religiosos fazem de suas próprias religiões. O yoga desde o período medieval indiano viu-se envolto em processos de cura, inicialmente com a sua medicina tradicional, o Ayurveda, e agora modernamente, com a biomedicina e fisiologia ocidental. Contemporaneamente, o yoga viu os seus rituais serem investigados pelas maiores universidades do mundo e os seus benefícios psicofisiológicos dissecados de forma ímpar, não visto por nenhuma outra religião.

Durante a sua prática uma série de neurotransmissores, endorfinas e hormônios podem conduzir os seus adeptos a estados "alternativos" de consciência, atenção e relaxamento, cunhado por alguns cientistas como hipometabolismo, onde alguns praticantes mais experientes conseguiram alcançar e manter por períodos longos, ondas eletroencefálicas alfa, tetha e delta, registradas por qualquer ser humano "normal" apenas durante o sono, e não de forma consciente como os yogues durante (e após) os seus rituais obtém, com resultados para a saúde impressionantes, desde tratamentos para ansiosos, depressivos, dores musculares, melhora da atenção, dentre tantos outros. No entanto, nada foi mais evidente, do que a produção do relaxamento muscular e da lógica, tanto que o yoga tem sido um “remédio” barato e bastante eficaz a um mal que acomete a maioria dos indivíduos das grandes cidades, o estresse.

Por ativação do CPF (córtex préfrontal - causada pelo aumento da atenção), durante o ritual yoguico, é possível minimizar a "entrada" sensorial do mundo externo ao LPPS (lobo parietal posteriol superior, área encefálica responsável por nos fornecer a nossa dimensão espacial corporal), por meio da hiperpolarização do tálamo, produzindo a estranha percepção de não sentir mais o corpo, o que poderia ser responsável pelos relatos subjetivos dos seus praticantes de uma sensação de profundo vazio ou expansão corporal. Continuada a prática, pesquisas sugerem, que a diminuição dos ciclos respiratórios associados ao foco de atenção faria com que uma região específica do tronco cerebral (locus ceruleus) diminuísse a secreção de NE (noradrenalina) para o resto do córtex, arrefecendo pensamentos intrusos, pois, associado com a hiperpolarização do LPPS, a menor secreção de NE, uma menor quantidade de estímulos sensoriais seriam percebidos. Isso ajudaria ainda mais no quadro geral de relaxamento reclamado pelos praticantes de yoga durantes os seus rituais. Esse relaxamento repercutiria no organismo diminuindo, via parassimpático, a pressão arterial (PA) do praticante a níveis prejudiciais ao organismo. Para reestabelecer a PA a níveis aceitáveis, o organismo secretaria AVP (arginina vasopressina), hormônio responsável também pela vasoconstrição. No entanto, a AVP também está associada a consolidação de novas memórias, facilitação geral da aprendizagem e à diminuição da sensação de fadiga, gerando assim, ainda maior percepção de relaxamento.

As sensações de bem estar e aumento do vigor associados ao yoga está vinculado, provavelmente, à secreção de serotonina, beta-endorfina e dopamina. Essas substâncias neuroquímicas estão associadas a uma consciência singular de aumento da euforia, da felicidade, da menor sensação de medo, o que significa, psicologicamente, menor ansiedade, estresse, cansaço e depressão por meio do relaxamento produzido pelo ritual do yoga. Além disso, por meio da grande atividade neuronal (despolarização) do CPF, devido ao esforço do praticante de yoga em manter-se focado em seu ritual, uma grande quantidade glutamatérgica é produzida. O interessante é que em grande quantidade, o glutamato pode se tornar neurotóxico. Assim, o organismo mais uma vez atua de forma autônoma, na ânsia de manter a sua homeostase, limita a produção glutamatérgica no cérebro inibindo a enzima que o "fabrica". Essa situação, sugere Andrew Newberg e colegas, produz outra substância em abundância, o NAAG (n-acetil-aspartil-glutamato) durante o ritual do yoga, pois é a partir do NAAG que o cérebro sintetiza o glutamato. O NAAG, no entanto, é análogo à algumas substâncias alucinógenas, como a quetamina, ao óxido nítrico e a fenciclidina (pó de anjo ou pílula da paz - PCP). Alguns autores sugerem que a combinação do extremo relaxamento descrito acima, o extremo grau de atenção requerido na prática yoguica e o NAAG, os responsáveis pela manutenção também (e não exclusivamente) da plausibilidade da realidade “não vista”, como chackras, prana, kundalini, dentre outros, contruída pelas escrituras yoguicas.

Mas um Ser relaxado é diferente de um Estar relaxado dependendo da visão de mundo e ethos de um povo. O Ser relaxado, no senso comum de uma sociedade capitalista, aponta um indivíduo desleixado, sujo, maltrapilho e que não se incomoda com a própria aparência e corpo, alguém facilmente identificado pelo olhar comum como marginal. Agora, um Estar relaxado, para a mesma visão de mundo, significa, por outro lado, segurança, saúde, confiança e alguém absolutamente ambientado (ou pertencente a um grupo, sociedade, ou seja, "socializado", dentro dos moldes). O primeiro é negativo, o mal; o segundo é positivo, o bem! Assim, praticar algum tipo de técnica, ritual ou prática de "relaxamento", pode vir a ser associado de forma ambivalente, tanto a fazer o bem quanto ao mal a si mesmo e aos outros. Segundo esse mesmo ethos e visão de mundo, o relaxamento "positivo" é aquele que conduz o seu praticante a um relaxamento temporário, a um Estar relaxado por algumas horas ou dias, do contrário, o indivíduo (e toda a sociedade a que ele pertence, e influencia) corre o risco de se transformar em um Ser relaxado, ou seja, não voltar mais do estado de relaxamento, o que aponta, como vimos, o mal!

Um indivíduo no estado de relaxamento não produz, não consome e não joga fora "coisas", ou seja, não contribui para o mercado/ambiente/sociedade contemporânea. No entanto, alguém "estressado" (o contrário de "relaxado") também não tem forças para girar as manivelas do consumo rápido que mantém as "coisas" em movimento nas prateleiras das lojas e nas latas de lixo reciclável. Assim, o “mercado” precisou construir um equilíbrio entre essas duas forças nos indivíduos que o mantém funcionando. O relaxamento, para o modelo capitalista moderno, é o indivíduo no Estar e não no Ser relaxado, pois “estando” por apenas algumas horas ou dias relaxado, o indivíduo recupera a sua saúde e, assim, está apto a produzir, consumir e jogar fora “coisas”.

Na Índia, no entanto, berço do yoga, a visão de mundo e ethos são (ou eram?) diferentes. É só pensarmos em Gandhi, que pelo “não-fazer”, um verdadeiro Ser relaxado, lutou pela independência do seu país. Enquanto os modelos ocidentais de independência sempre foram associados a luta armada, indivíduos verdadeiramente “não relaxados”, mas em absoluto estado de estresse. Para o yoga então, o Ser relaxado é algo positivo, benfazejo e correto, pode edificar indivíduos que desenvolvem discernimento cognitivo para refletir sobre o seu estado psicofísicossocial e dos outros, além de conscientizar-se e compreender os seus hábitos e condicionamentos, e livrar-se deles. Enquanto, para o ethos do ocidental moderno, é Ser relaxado é incompátivel com a altivez dos seus indiíduos. Em uma palavra: alguém cansado, deprimido, ansioso e/ou estressado não produz, não consome e não joga fora “coisas”, criando um colapso na visão de mundo capitalista ocidental. Assim, o relaxamento pode, dependendo da visão de mundo religioso que estudemos, ou arruinar com o ethos desse povo (talvez, no máximo, contribuir para este modelo “recuperando” os seus indivíduos cansados, ansiosos, deprimidos e estressados), ou solidificar o ethos de um povo.

O termo homeostase, o equilíbrio dinâmico do organismo para se manter saudável foi criado estresse foi cunhado por Hans Seyle (1907-1982) recentemente, o seu conceito era desconhecido, ninguém era diagnosticado como “estressado” antes do advento da revolução industrial.

Sob um ponto de vista bastante pragmático de um fisiologista, um ser relaxado indica um indivíduo livre de tensões, tanto musculares quanto mentais. Alguém tenso é alguém com algum grau de medo, pois o reflexo inato do medo nos conduz, de forma autônoma, a lutar ou a fugir, ambos fomentam um quadro clássico de estresse, que não necessariamente é algo ruim, muito pelo contrário, sem esse reflexo inato em nós, morreríamos cedo e, provavelmente, já teríamos nos extinguidos como espécie. O estresse possui três fases bem distintas: a fase aguda, a adaptativa e a crônica. As duas primeiras são benéficas e nos ajudam a sobreviver, pois nos alertam ao perigo, tanto imaginado quanto real. Já a terceira, se instala quando o agente estressor não consegue ser “combatido”, como por exemplo, num dia de extremo calor. Nosso corpo reage ao calor suando e nos fazendo sentir sede para beber água. A terceira fase aparece quando não conseguimos nos adaptar ao estresse. No caso acima, é provável que os nossos vasos saguíneos se dilatem, diminuam a nossa pressão arterial e desmaiamos por força da fase crônica do estresse, para que diminuamos o nosso metabolismo até que o “socorro” apareça.

Tanto um agente estressor externo, como o calor, aciona o eixo do estresse, quanto um agente interno, como um pensamento nefasto, como por exemplo, a culpa por ter cometido um pecado, o não cumprido as exigências de um ritual ou 12 horas de trabalho! Assim, a ansiedade causada pelo estresse de um pensamento ruim pode nos conduzir a um quadro de depressão, que é quando a resposta que damos a um agente estressante não alcança o seu intento, o seu organismo entra na fase crônica, não se adapta, gera ansiedade e possíveis sintomas depressivos. A saída é terapia para descobrir a causa e remédios para diminuir a ansiedade ou depressão. Um indivíduo nesse quadro de burn out não consegue exercer as suas funções na sociedade e é afastada das suas funções sociais, ou seja, é marginalizada. Alguém que não produa e não consome não é bem visto nas sociedades ocidentais contemporâneas.

As facilidades impostas pela melhora da tecnologia no mundo moderno têm gerado seres humanos cada vez mais sedentários, e paralelamente tem ocorrido um aumento das doenças crônicas degenerativas. Pouca importância tem sido dada às alterações que esse sedentarismo provoca no sistema imunológico.

Uma das áreas mais fascinantes e de rápido desenvolvimento na fisiologia moderna compreende a ligação entre a mente e o corpo. Embora muitos renomados cientistas tenham zombado deste tópico durante muitos anos, a interação entre as nossas emoções e as doenças somáticas tem sido descrita por séculos. Muitas sociedades descrevem histórias de pessoas que perderam a alegria de viver e mais tarde morreram sem nenhuma doença aparente, ou de pessoas que desistiram da morte e tiveram uma recuperação notável.

A interação entre a mente e os demais sistemas de integração, como o nervoso, o endócrino e o imunológico, permite-nos postular a existência de um sistema psiconeuroimunendócrino, responsável pela manutenção do equilíbrio interno de nosso organismo, e cuja existência nos permite entender como modificações em um dos elos levaria ao desarranjo dos demais. A base de sustentação para a existência deste eixo seria a possibilidade de troca de informações entre os diferentes subsistemas, através da liberação de uma grande quantidade de substâncias químicas, como citocinas, peptídeos, monoaminas, glicocorticóides, radicais livres e opióides. A assunção de tal pressuposto nos permite compreender melhor as ligações entre a incapacidade de se enfrentar o estresse e o desenvolvimento de enfermidades.

O estresse é um fenômeno biológico comum e conhecido por todos nós através de nossas próprias experiências. A vida moderna tem sido caracterizada pelos altos índices de estresse, e tem levado uma grande quantidade de pessoas a procurar abrigo em spas, academias de ginástica, livros de auto-ajuda e, neste contexto, o refúgio no yoga, nas práticas meditativas, assim como no seio de diversas religiões, também encerra importância fundamental. Sendo assim, é lícito compreender melhor os mecanismos envolvidos na geração do estresse, assim como a possibilidade de diminuí-lo através de tais práticas.

Em sua etimologia o verbete estresse tem como sinônimo o termo strain e remonta às origens das línguas Indo-Européias. No grego antigo, era a raiz de strangale e do verbo strangaleuin que significa estrangular. Em latim, a raiz formou o verbo stringere que significa apertar. Logo, as raízes do estresse remetem à idéia do empenho de forças fundamentalmente contrárias.

A percepção do estresse é bem antiga. Para os homens primitivos, a perda de vigor e o sentimento de exaustão que experienciavam após um trabalho intenso ou exposição prolongada ao frio, ao calor, perda de sangue, medo ou doença, teriam alguma semelhança entre si.

Claude Bernard, fisiologista francês considerado o pai da ciência moderna, introduziu o conceito de milieu interieur ou o princípio do equilíbrio fisiológico interno dinâmico, dependente do líquido orgânico que circunda e banha todos os tecidos. Bernard foi primeiro a observar que o meio interno dos organismos vivos não era meramente um veículo para levar alimento às células, mas que da estabilidade do meio interior dependia o nosso bem estar geral. A partir da noção de meio interno constante, Walter Cannon, um fisiologista americano, desenvolveu o conceito de homeostase, do qual depende a qualidade de vida do ser humano. Entende-se por homeostase o conjunto de mecanismos regulatórios que mantêm a constituição do meio interno dentro de limites adequados para a sobrevivência do organismo, permitindo sua funcionalidade pela adaptação às condições externas variáveis da natureza. Tais mecanismos são os responsáveis pela detecção e correção de variações em diversos parâmetros orgânicos, tais como pressão arterial, volume sangüíneo, temperatura corporal interna, concentração de sais minerais, pH, entre outros. A existência desses mecanismos de regulação permite o funcionamento do organismo nas condições externas presentes na natureza.

Segundo Selye, o estresse é definido como um estado de diminuição da homeostase, onde o organismo apresenta diversos sintomas que demonstram sua crescente dificuldade em adaptar-se aos agentes físicos ou patológicos.95 Este mesmo pesquisador foi o responsável por introduzir o conceito de Síndrome da Adaptação Geral, que pode ser definido como a resposta não-específica estereotipada do organismo sadio a sinais estressores de diversas origens. A reação de adaptação aumentaria o poder de resistência do organismo aos agentes estressores e à sua capacidade de moldar-se às mudanças ambientais. O fator limitante da adaptabilidade de um organismo é a chamada energia de adaptação, ou seja, a capacidade de resistir às influências adversas do meio ambiente, que é limitada e declina com o aumento e/ou a contínua exposição ao agente estressante, levando a um desajuste da referida capacidade adaptativa e ao surgimento das doenças.

Ao longo da vida, a capacidade de adaptação do indivíduo vai se deteriorando, processo conhecido como senescência, provocando a queda da qualidade de vida. Em situações extremas, ou então quando o organismo não consegue reagir de forma adequada às situações do dia-a-dia, sobrevém o estado comumente chamado de estresse crônico. O estresse crônico pode atingir qualquer pessoa, independente da idade: atletas sobrecarregados com inúmeras sessões de treino, crianças sobrecarregadas com tarefas cotidianas, trabalhadores presos diariamente nos engarrafamentos da avenida Brasil no Rio de Janeiro ou das marginais em São Paulo etc. Um indivíduo nessas condições passaria por três estágios: no primeiro momento a experiência parece ser muito dura, é a reação de alarme do organismo, em seguida acostuma-se a ela, é o estado de resistência, e finalmente não se pode mais suportá-la, é o estado de exaustão.

É sabido que estressores físicos são capazes de influenciar a funcionalidade do sistema imunológico. Além desses fatores estressantes citados acima, as injúrias térmicas, traumáticas, cirúrgicas, o infarto do miocárdio e o choque hemorrágico também são capazes de influenciar a funcionalidade do sistema imunológico.

O exercício físico também tem sido classificado como um agente estressor, pois se sabe que este é capaz de alterar o estado de equilíbrio do eixo psiconeuroimunendócrino, influenciando a saúde do indivíduo. Devido a isso, inúmeros cientistas têm feito uso do exercício quando querem testar algum medicamento ou alguma terapia que supostamente possa combater o estresse, pois caso a intervenção seja eficaz, o indivíduo que se submete a ela deverá realizar o mesmo exercício com um menor gasto energético. O exercício também é reconhecido como um potente influenciador do sistema imunológico, muito embora os mecanismos por detrás de tais efeitos não sejam totalmente conhecidos. Sabe-se, porém, que a prática de exercícios em diferentes intensidades e segundo diferentes protocolos de execução e duração pode exercer efeitos positivos ou negativos sobre diversos parâmetros do sistema imunológico, uma vez que pode aumentar algumas células deste sistema, ou ainda, reduzi-las sensivelmente.

Logo, exercícios moderados como um jogging na praia estimulam o sistema imunológico, ocorrendo justamente o oposto com exercícios mais intensos. Deve-se salientar que além da intensidade com a qual o exercício é realizado, a freqüência com que se pratica o mesmo (agudo ou crônico) também é fundamental na promoção de seus efeitos. Portanto, ao se estudar os efeitos do exercício sobre o sistema imunológico deve-se obrigatoriamente distinguir os resultados que são característicos de sessões agudas, daqueles decorrentes do exercício crônico, repetitivo, intenso, demasiado.

Se a compreensão dos mecanismos pelos quais o exercício atua no sistema imunológico ainda está em seu estado embrionário, muito menos se sabe a respeito da influência das práticas yoguicas, meditativas ou das orações sobre a dinâmica do sistema de defesa do corpo. Dentro em breve comentaremos mais sobre esse tópico. Todavia, compreender, ao menos que parcialmente, como o exercício influencia o sistema imunológico, é um prérrequisito para iniciarmos nosso discurso sobre os benefícios da prática do yoga e da meditação na aquisição de uma resposta imunológica mais eficaz. Sabe-se que, apesar do yoga ser muito mais do que um mero exercício, algumas escolas partem do trabalho corporal com o intuito de atingir estados conscienciais mais elevados, e talvez no futuro, os pesquisadores associem tais práticas ao conhecimento que hoje se constrói da relação exercício-sistema imunológico. Todavia, de compreensão muito mais difícil é a influência da meditação por si só sobre o sistema imune, pois, em geral, a meditação é a prática do nada fazer, do estar conscientemente em silêncio profundo, da contemplação pacífica dos pensamentos vagantes. Como o nada fazer pode, supostamente influenciar de forma benéfica o sistema imunológico é uma questão deveras intrigante.

Baseado nas hipóteses acima descritas, pesquisadores tem sugerido que o exercício de intensidade moderada aumentaria a resistência contra infecções ao liberar fatores imunomoduladores na circulação, como hormônio do crescimento, prolactina e citocinas. Portanto, de acordo com essa proposta, o exercício moderado para apresentar efeitos positivos deve ser realizado em intensidade que corresponda a pelo menos 60% da capacidade aeróbia máxima de um indivíduo, que é a capacidade associada ao ato de correr, nadar, pedalar, caminhar etc. Isso se deve ao fato de que alterações significativas de hormônios como adrenalina, noradrenalina, hormônio do crescimento, e beta-endorfina, assim como aumentos da temperatura corporal, ocorreriam a partir dessa intensidade. O exercício de alta intensidade por sua vez, não apresentaria esses mesmos efeitos positivos devido ao fato de promover a liberação de diversas substâncias imunossupressoras em quantidades elevadas, os glicocorticóides O cortisol é um hormônio glicocorticóide que pode ser nocivo para o sistema imunológico, principalmente quando suas concentrações plasmáticas são mantidas elevadas por longos períodos de tempo. Este fato é comumente visto em pessoas que sofrem com o estresse crônico, seja ele advindo de cargas excessivas de exercício, ou de preocupações exageradas com os problemas do cotidiano.

Portanto, o exercício físico agudo ou crônico, por se tratar de um fator estressor, tem seu papel sobre o sistema nervoso e endócrino. Mas, como dito anteriormente, com relação aos seus efeitos sobre o sistema imunológico, sua função ainda não está firmemente estabelecida. Esta dificuldade em se estabelecer o papel do exercício sobre a imunidade está relacionada ao grande número de variáveis diretamente ligadas à prática da atividade física, tais como: intensidade, duração e cronicidade. Os mecanismos envolvidos na resposta do sistema imunológico ao exercício englobam alterações hormonais, notadamente nas concentrações plasmáticas de alguns hormônios e do aminoácido conhecido como glutamina, pois é sabido que este é essencial no metabolismo dos leucócitos.

O exercício e suas conseqüências fisiometabólicas causam profundas mudanças no número e distribuição de leucócitos na circulação e podem induzir mudanças na resposta proliferativa dos linfócitos. A redistribuição dos leucócitos tem sido atribuída às mudanças hormonais ocorridas durante e imediatamente após o exercício. Já no começo do século XX, se demonstrou que participantes da maratona de Boston, apresentavam leucocitose, que é o aumento das células do sistema imunológico no sangue, após o exercício. A leucocitose é uma das mudanças consistentemente observada durante o exercício. O número de leucócitos na circulação pode crescer quatro vezes, e continuar aumentando após o término do exercício, e ainda permanecer elevado por períodos prolongados, após alguns tipos de atividade. No geral, a magnitude da leucocitose parece estar diretamente relacionada à intensidade e duração do exercício e inversamente relacionada ao nível de aptidão do indivíduo. O aumento do número dos leucócitos se deve predominantemente ao aumento nos neutrófilos e, num menor grau, linfócitos, apesar do número de monócitos também aumentar. Ao contrário, durante exercícios muito longos, tais como 24 horas de caminhada, o número de leucócitos aumenta progressivamente após 16 horas, e então diminui e continua baixo até 62 horas após a caminhada.

Indivíduos não treinados também exibem leucocitose durante e depois de vários tipos de exercício. A magnitude da leucocitose induzida pelo exercício em sujeitos não treinados é semelhante àquela dos atletas, quando o exercício é realizado na mesma taxa de trabalho relativo, ou seja, com intensidades semelhantes quando se respeita a individualidade biológica de cada esportista. Isso por si só já nos faz hipotetizar os benefícios que uma aula de yoga poderia trazer para a aquisição de um sistema imunológico mais eficaz, uma vez que mesmo aquelas linhas de Hatha-Yoga menos vigorosas podem, para algumas pessoas, caracterizar-se como um exercício moderado. Em alguns momentos, dependendo do indivíduo em questão, o exercício corporal pode ser até mesmo classificado como pesado ou extremo como no caso das escolas do Asthanga-Vinyasa Yoga ou do Power Yoga. Contudo, no presente momento isso é somente especulativo, uma vez que não encontramos na literatura científica mundial nenhum trabalho que tenha intencionado averiguar as respostas imunológicas advindas da prática do yoga corporal.

Em condições de repouso, menos da metade dos leucócitos maduros do corpo está circulando no sistema vascular. O resto é seqüestrado para perfusão de microvascularidades nos pulmões, fígado, e baço. O mecanismo exato pelo qual os leucócitos são lançados dentro da circulação durante o exercício permanece desconhecido, mas pode envolver fatores mecânicos, assim como o aumento do rendimento cardíaco, bem como mudanças nas interações entre leucócitos e células endoteliais dos capilares. O exercício ainda influencia o número de linfócitos. A linfocitose, que é o aumento do número de linfócitos, ocorre durante e imediatamente após o exercício, realizado nas mais diversas condições como, após 10 minutos de subida de escadas ou após uma corrida de maratona. Tal como o observado com relação aos leucócitos totais, o número de linfócitos sobe progressivamente com o aumento da taxa de trabalho, e a magnitude da linfocitose está relacionada à intensidade do exercício.

Vários subgrupos de linfócitos podem responder diferentemente ao exercício. Em geral, todos os subgrupos aumentam em número, mas as células B e natural killer (NK) podem atingir número proporcionalmente maior que as células T. O exercício intenso e breve, recruta as células T da circulação114, mas seu número pode ser restaurado logo após a atividade. O número aumenta mais em indivíduos não treinados do que em treinados após exercício intenso e breve. Já o número de células B aumenta dramaticamente durante o exercício, mas retorna rapidamente ao nível basal logo após o seu término.

Trabalhos realizados com animais de laboratório mostraram que a produção de anticorpos (imunoglobulinas) pelas células B também é reduzida pelo exercício exaustivo, sugerindo supressão da proliferação de células T e subseqüente estimulação da diferenciação das células B. Por outro lado, indivíduos que praticaram meditação por alguns meses demonstraram aumentos significativos na produção de anticorpos específicos. Esta pesquisa sobre meditação é a única na literatura científica mundial que investigou os efeitos da prática meditativa sobre a função imunológica no ser humano, e seus achados são deveras interessantes. Sendo assim, mais adiante versaremos sobre ela com um maior grau de profundidade.

Todavia, algumas coisas ainda devem ser faladas sobre o sistema imunológico humano. Os linfócitos fazem parte do eixo neuroimunoendócrino, responsável pelo controle da homeostase, e necessitamos conhecer melhor esse tipo celular. Os linfócitos são células com diâmetro variando entre 6-10 m, e isso significa dizer que são pequenas; muito pequenas. No corpo humano existem cerca de 2x1012 linfócitos, e isso significa dizer que temos muitos linfócitos; bastante mesmo. O número total é tão grande que o sistema imunológico pode ser comparável, em massa celular, ao fígado ou ao encéfalo, representando cerca de 2% do peso corporal. Os linfócitos originam-se a partir de células primitivas localizadas na medula óssea. Os linfócitos B adquirem maturidade na própria medula óssea, ao contrário dos linfócitos T, que o fazem no timo. As células B, quando estimuladas por citocinas, passam a se dividir e podem dar origem às células produtoras de anticorpos. As células T não sintetizam imunoglobulinas, mas atuam como moduladoras da resposta imunológica.

Os linfócitos T estão intimamente envolvidos na iniciação e regulação da maior parte das respostas imunológicas, graças a sua capacidade em modular a atividade de algumas células deste sistema. Exemplos dessas modulações são: a ativação de células B para proliferação e produção de anticorpos; a morte de células tumorais e células infectadas por vírus; e secreção de fatores solúveis que modulam a atividade de outras células do sistema imunológico.

Os estudos sobre os efeitos do exercício na função de linfócitos B e T realizados até o momento, utilizaram-se de protocolos de treinamento e exercícios variados, não havendo uma sistematização desses resultados. Menos sistematizado ainda está o ramo da ciência que investiga os efeitos sobre o sistema imunológico advindos da prática da prece e da meditação. Entretanto, Richard Davidson, a pedido do Dalai Lama, iniciou uma série de pesquisas com monges budistas e com praticantes menos versados em meditação. Uma de suas pesquisas investigou os efeitos da meditação sobre o sistema imunológico de seus praticantes. Tal pesquisa, conduzida de forma extremamente elegante, fez uso de vinte e cinco voluntários treinados em técnicas meditativas durante oito semanas. Dezesseis outros voluntários serviram como grupo controle da experiência, e não passaram pelo treino em meditação. Richard Davidson e seus colaboradores realizaram eletroencefalografias em ambos os grupos, e perceberam que o grupo praticante de meditação apresentou durante a prática meditativa, assim como, em períodos posteriores, uma maior ativação de seu córtex pré-frontal esquerdo. Ativações eletroencefalográficas nesta região têm sido correlacionadas com a presença de emoções mais positivas.

Outras pesquisas ainda correlacionam tais ativações assimétricas do córtex pré-frontal esquerdo, com melhores funções imunológicas refletidas através de maiores atividades das células natural killers (NK). Como algumas recentes pesquisas têm demonstrado, o estresse da vida cotidiana pode interferir na resposta imunológica à algumas vacinas. Em outras palavras, quanto maior o nível de estresse, menor os benefícios advindos da imunização medicamentosa, como por exemplo, da vacina que combate o vírus da influenza. Richard Davidson e seus colaboradores hipotetizaram que a prática meditativa poderia melhorar a resposta imunológica. Para testar tal hipótese, os dois grupos participantes da pesquisa receberam uma vacina contra o vírus da influenza, logo após o término das oito semanas de treino meditativo. Após quatro meses, a quantidade de anticorpos específicos para esse vírus foi medida, e o grupo praticante de meditação mostrou efeitos mais positivos em seu sistema imunológico, uma vez que a contagem de anticorpos foi significativamente maior do que a do grupo controle.

Os autores ainda demonstraram que aqueles indivíduos submetidos à prática da meditação, e que apresentaram uma maior ativação cortical esquerda, apresentaram também uma maior contagem de anticorpos. A pesquisa conclui que a meditação, mesmo aquela realizada em curto espaço de tempo, pode produzir efeitos significativos no cérebro e no sistema imunológico. Futuras pesquisas são necessárias para que se possa investigar com mais profundidade tais achados, uma vez que a reprodução dessas pesquisas pode ser de grande valia para todos os profissionais atuantes na área da saúde.

Os caminhos neuroquímicos do estresse

Como vimos, a experiência do estresse é comum a todos nós. Expectativas positivas, assim como expectativas negativas, geram um espectro muito grande de alterações fisiológicas necessárias para a manutenção da homeostase do organismo. Versamos que uma das adaptações mais fundamentais é a liberação de glicocorticóides pelas glândulas adrenais, mais especificamente o córtex de tais glândulas. Todavia, a hipersecreção de glicocorticóides pode desencadear uma disfunção psicofisiológica no organismo em questão. Desequilíbrios das cascatas regulatórias do estresse estão associados à patogênese de diversas doenças, como colite, hipertensão, asma, depressão, ansiedade etc; assim como algumas doenças neurodegenerativas, tal qual o mal de Alzheimer.

A secreção de glicorticóides é desencadeada através de um eixo neuroendócrino conhecido como: eixo hipotálamo-hipófise-adrenocortical (HHA). Em contrapartida, o eixo HHA é controlado por uma grande quantidade de neurocircuitos associados à percepção do estresse. O principal núcleo hipotalâmico relacionado a esse eixo é o núcleo paraventricular (NPV). Sob condições do estresse, esse núcleo libera um hormônio conhecido como: hormônio liberador de corticotropina (CRH), além de arginina-vasopressina (AVP). Tais hormônios induzem à liberação do hormônio adrenocorticotrópico (ACTH) da glândula hipófise anterior, sendo que este é o responsável pela liberação de glicocorticóides do córtex das glândulas adrenais. Estresses prolongados correlacionam-se positivamente com os aumentos da liberação de CRH, AVP e ACTH, e isso induz uma liberação crônica de glicocorticóides, o que afeta negativamente o sistema imunológico do organismo, privando-o de suas defesas naturais contra agentes patogênicos.

Não são poucas as cascatas bioquímicas associadas ao estresse. Há aproximadamente trinta anos atrás falar de doenças produzidas pela mente era algo destinado aos cursos voltados à psicologia e auto-ajuda, que as caracterizavam como doenças psicossomáticas. Atualmente, as neurociências têm corroborado as afirmações realizadas há décadas por tais profissionais, na medida em que tem descoberto os caminhos neuronais que intermedeiam o pensamento, as emoções e a liberação de neurotransmissores e hormônios que podem patrocinar a saúde ou a doença.

Alguns estados autonômicos correlacionam-se com determinadas experiências espirituais. Em seu livro Why God won´t go away, Andrew Newberg e Eugene D´Aquili sugerem diferentes tipos de ativações autonômicas. Muito embora o consenso geral é de que o SNA trabalhe ora tendo o ramo simpático no comando, ora tendo o ramo parassimpático no domínio das ações, algumas recentes evidências sugerem que em determinados momentos ambos podem atuar conjuntamente, produzindo interessantes estados conscienciais. Segundo os autores acima citados65, as quatro possibilidades de atuação do SNA são:

1) Super-relaxamento: o super-relaxamento é um estado extraordinário de tranqüilidade e paz. O corpo experiência tal fato somente durante o sono profundo. Logo, não temos consciência desse estado. Todavia, esse acontecimento pode ser vivenciado no decorrer de algumas fases do processo meditativo, e em alguns rituais religiosos. Durante essa experiência o ramo parassimpático é ativado produzindo um estado de tranqüilidade, bons pensamentos, agradáveis sensações corporais etc. Budistas têm narrado tal estado, e usam o termo upacara samadhi para descrevê-lo.

2) Superexcitação: é um estado mental caracterizado pelo fluxo incessante de neurotransmissores advindos do SNA simpático, produzindo um crescente senso de excitação, alerta e, em alguns casos, um alto grau de concentração. Muito embora, dependendo da pessoa em questão, esse acontecimento possa ativar reflexamente uma grande quantidade de neurônios do sistema nervoso central, perturbando assim a manutenção da concentração. O estado de superexcitação é atingido durante atividades motoras rítmicas e cíclicas. Maratonistas, dançarinos e esquiadores olímpicos têm relatado tal estado consciencial.

3) Super-relaxamento associado a superexcitação: Sob certas circunstâncias muito especiais, a ativação do ramo parassimpático pode ser tão intensa, que o ramo simpático acaba por ser ativado conjuntamente. Segundo alguns relatos, assim como algumas poucas evidências científicas, esse cruzamento pouco comum seria o responsável por alguns dos intensos estados alterados de consciência atingidos durante meditações profundas ou preces verdadeiras. A franca ativação do ramo parassimpático produziria estados de calma, tranqüilidade e benevolência, e a subseqüente ativação do ramo simpático, somaria a essas sensações a percepção de alerta e argúcia extrema. Budistas têm denominado tal estado de appana samadhi.

4) Superexcitação associado ao super-relaxamento: Este estado é semelhante ao descrito acima, todavia tem seu inicio de forma inversa. Danças ritualísticas rápidas, êxtases sexuais, assim como engajamentos esportivos intensos, podem gerar grandes liberações de neurotransmissores advindos do SNA simpático, deflagrando assim, muito provavelmente de forma reflexa, sua contraparte parassimpática, responsável pelas sensações conscienciais já descritas nesse texto.

É, eu sei, está parecendo o discurso de algum "eco-chato" ou estudante ciências sociais pronto para detonar o sistema capitalista. Não, apenas busco investigar uma espiritualidade advinda da Índia e adaptada a um outro modelo cultural. Farei isso por meio da biologia como uma ciência auxiliar no entendimento do fenômeno religioso do Yoga no mundo contemporâneo.

Parto logo, e sem rodeios, ao que me trouxe aqui. O yoga, como outras religiões da salvação, divide o mundo entre o “visto” (ou ilusório) e o “não visto” (sobrenatural ou real). O mundo “visto” é um "mundo de passagem" ou “local de provação”, o lugar aonde devemos aprender a nos livrar da dor. O sofrimento assim, passa a ser valorizado, pois justifica o mundo “não visto” que nos espera e, por força da distinção agora constituída entre o profano e o sagrado, abre-se um espaço para a rejeição religiosa do mundo “visto” (ou ilusório) na medida em que o elemento empírico da realidade profana passa a ser desvalorizado pela realidade sagrada do "sobrenatural". O religioso então refugia-se do mundo “visto” para alcançar a sua salvação no mundo “sobrenatural”. Cria-se aí uma "teodicéia do sofrimento", sim, pois é o nosso karma ou "vontade divina" sofrermos antes de termos o merecimento do "reino dos céus" ou de kaivalya (ou ser “liberto em vida”); ou ainda, ter o direito de voltar em outra vida na condição de um brâmane e não de um dalit, por exemplo, um intocável dentro do sistema de castas indiano. No entanto, apenas os especialistas religiosos possuem a chave para a cura dessas almas enfermas, em geral, vinculados aos interesses materiais dos sacerdotes, aos ideais do Estado e as "necessidades" da plebe, sob a visão deles, é claro.

A soteriologia do yoga dita que o sofrimento humano (ou ignorância - avidya purusa) é causado pelo aumento das "atividades mentais ou da consciência" (yogacittavrttinirodha), além do sentimento/comportamento/hábito de apego, aversão, medo da morte e orgulho (os chamados klesas); que, em um ciclo vicioso, se retroalimenta produzindo mais sofrimento, a não ser que o indivíduo, a partir disso, obedeça e siga o caminho óctuplo estipulado como soteriologia por Patanjali em seu Yoga Sutras, famosa escritura religiosa do Yoga, conhecida como Asthanga Yoga (não confundir com Asthanga Vinyasa Yoga, um método, tradição ou escola de Yoga moderno).

Mas, se o "turbilhão da mente" e os klesas são o que nos causam sofrimento/dor/doenças, o contrário disso, é lícito pensar, nos trará felicidade e paz, saúde e felicidade ao espírito humano! Dessa forma, diminuir o “turbilhão da mente/consciência” pelo desenvolvimento da auto-atenção, viver com maior desapego, compaixão, fé/coragem pela vida (ou no viver) e humildade são os meios seguros para os yogues alcançarem a "libertação" (kaivalya, moksa ou o último estágio do samadhi, experiência mística/religiosa do Yoga). Mas até esse discurso releva-se ambíguo, pois a teoria dos klesas pode ter ajudado aos governantes indianos manter o sistema de castas funcionando muito bem, obrigado. Sim, pois é muito conveniente um dalit não se revoltar por sua condição de limpador de excrementos, cremador de cadáver putrefatos e, muito menos se indignar, por ver os seus filhos serem menosprezados e até mesmo punidos fisicamente por simplesmente sua sombra ter cruzado o corpo de um brâmane, quando ele crê que deve atenuar o seu sentimento de orgulho, apego, aversão e medo da morte, pois se ele fizer o seu trabalho menor de forma correta pode ir dormir ao lado de ratos esgoto aonde mora e sonhar que próxima vida terá a sorte, se cumprir com as suas oferendas aos deuses, de nascer em uma casta mais elevada na próxima reencarnação.

Mas o que tudo isso tem a ver com a ciência da religião o yoga e o relaxamento? Veja bem, o meu intuito por trás de tudo isso é revelar o poder explicativo que a fisiologia possui em ajudar um cientista da religião em compreender um fenômeno religioso, assim, recapitulemos tudo até agora: o ritual do yoga produz os seus praticantes/devotos a um estado de relaxamento, a sua soteriologia nos deixa bem claro que o que causa o sofrimento humano são o “turbilhão da sua mente/consciência” e os comportamentos de apego, aversão, medo da morte e orgulho, e também sabemos que tudo isso é advém de um processo histórico e continua ocorrendo.

Pois bem, quando do início da luta da Índia por sua independência das mãos dos ingleses, a partir de 1858 até 1947, os indianos precisavam se firmar como um país "moderno", ou seja, menos místico, mais "racional" e se livrar da mediação "mágica" do sobrenatural frente ao pensamento ascético protestante anglo-saxão ideal dos ingleses. Foi nesse momento histórico e cultural, que os indianos conduziram os seus yogues a laboratórios de fisiologia para "provar" aos seus colonizadores que a sua espiritualidade “mágica” e excessivamente “ritualística” poderia também ser “empírica”, produzindo saúde nos moldes que a biomedicina ocideental acreditava. Foi aí (especificamente com o discurso de Vivekananda no Parlamento das religiões em Boston e das pesquisas seculares do yoga em fisiologia com Kuvalayananda) que o yoga marca a sua entrada em seu período considerado moderno, e daí surge toda uma ressignificação da sua doutrina e soteriologia por meio do pensamento biomédico ocidental.

O yoga moderno sintetizou os seus rituais em sessões curtas e intensas, adaptando as suas práticas para o modelo de saúde estipulado pela OMS desde 1949, onde a saúde é o bem estar físico, mental e social dos indivíduos. Leia "bem estar" como um estado de absoluta e perfeita homeostase, ou seja, sem estresse, o que significa, Estar relaxado, pois amanhã, este indivíduo precisa estar pronto para voltar ao trabalho, às lojas de departamento e sacos de lixo.

A minha crítica não está no yoga em si como proposta religiosa de salvação, mas o que se tem feito com o yoga como proposta de salvação. A salvação pode não estar mais em livrar os indivíduos do sofrimento humano, como propôs Patanjali e seus predecessores, mas na cura do estresse, da ansiedade, da depressão e das dores nas costas por meio do Estar relaxado; enquanto que a proposta soteriológica do yoga reside em construir Seres relaxados, no sentido de romper com os seus padrões e hábitos, no contentamento com a vida, na purificação dos seus pensamentos e atos, em estabelecer práticas de conduta corretas, na autoatenção e na entrega da sua vida à uma utopia ou à Deus, por meio de rituais de relaxamento a sua Salvação. Por fim, e quase esquecido pelos yogues modernos, a conduta do yogue sempre esteve em desenvolver comportamentos desapegados, compassivos, humilde e de fé e coragem frente a vida.

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