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Dr.Roberto Simões

A possibilidade de Matrix


Nosso intuito neste ensaio será discutir as hipóteses da possibilidade de vivermos agora ou um dia em Matrix, ou seja, em um mundo virtual e não sabermos. Utilizaremos para este trabalho duas fontes teóricas: Matrix, de uma coletânea de William Irwin e A pílula vermelha, coletânea de ensaios organizados por Glenn Yeffeth, além de alguns artigos e textos auxiliares.

Para discutirmos as possibilidades de viver em um mundo virtual e o que é real ou não, antes mesmo de adentrarmos a questões filosóficas e suas relações com religião e transhumanismo precisamos entender um pouco melhor o palco onde isso tudo pode se tornar possível ou não: o cérebro humano. Para isso é necessário entender do que é feito o nosso cérebro e estudarmos sucintamente o que são neurônios, essas células que compõem esse órgão que forja a nossa mente, consciência e o que chamamos de eu ou self. Como a ligação entre os nossos 100 bilhões de células neuronais podem formar o que nós chamamos de Realidade?

Estudos neurobiológicos parecem nos conduzir a uma rede intrincada entre a fisicalidade do cérebro e nosso comportamento. Alguém que perca por algum acidente uma parte do seu córtex occipital, por exemplo, perde sua visão, mesmo com a retina, cristalino e demais “partes” de seus olhos perfeitos. Uma simples incisão separando o seu corpo caloso, que é um feixe grosso de neurônios que ligam os nossos dois hemisférios cerebrais pode causar um estranho fenômeno de criar dois “eus”. Se um dia você tiver uma forte dor de cabeça no seu lado esquerdo do lobo temporal e essa dor for precedida por uma hemorragia e seus neurônios morrerem, será bem possível que você fique mudo, mesmo querendo e com as suas cordas vocais intactas, nós não conseguiríamos pronunciar um simples “bom dia”, pois essa é a área da fala.

O que conhecemos como mundo parece ser na verdade “milhões de impulsos eletroquímicos” – parafraseando Morpheus - transmitidos entre nossos bilhões de neurônios interconectados uns aos outros. “O mundo nos chega através das sensações”, é o que nos diz Eric Kandel, premio Nobel em Fisiologia e autor de “Neurociência do Comportamento”, clássico tratado de neurociência. Se o mundo nos chega através dos sentidos, nos cabe perguntar o que são as sensações, percepções e emoções, há diferença entre eles? E nossas emoções realmente interferem em como vivo, sinto e percebo neste mundo real? A sua mente parece não saber diferenciar entre o que você imagina e vê realmente.

Admitindo que nossa realidade nos chega pelas sensações, a sensação da emoção precede a interpretação da mesma - é o que chamamos de percepção da sensação - e aí surge o julgamento se essa emoção foi agradável, desagradável, dolorosa, prazerosa e etc. Essa é uma parte fundamental do desenvolvimento infantil: aprender a nomear o que sentimos. Segundo neurobiólogos da Universidade de Iowa, como Hanna, Damásio e Bechara, “a decisão humana, o planejamento de longo prazo e a conseqüente concretização de planos estão atrelados ao sistema de avaliação emocional” (Newen & Zinck, 2009, p.44). Isso nos remonta ao debate sobre a fenomenologia da religião, que segundo Brandt, no Brasil valoriza-se demais algo que na Europa já não mais existe, pois a fenomenologia da religião estuda algo que não pode ser estudado, ficando a cargo da teologia e não das Ciências das religiões estudar. Pensando nisso, podemos hipotetizar que a experiência religiosa possa estar ligada diretamente ao escopo das sensações e por isso fora de nossa compreensão humana, que vive no mundo das percepções. São as emoções, portanto, que avaliam pela percepção (julgamento, razão) o que sentimos (incognoscível). Se a avaliação for bem-estar tende a se repetir, se caso contrário for desconforto, nos afastamos dessa sensação. Será que a experiência religiosa não estaria no patamar das sensações e por isso tanta controvérsia quanto a esse assunto? Nós dizemos frequentemente que algo não “nos tocou”, utilizamos curiosamente uma expressão que nos remete ao corpo e não a intelectualidade quando nos referimos a sensações.

O que estamos querendo demonstrar é que os estímulos externos de nosso “mundo real” são transformados em impulsos eletroquímicos pelos nossos neurônios em áreas específicas de nosso cérebro e, qualquer desequilíbrio químico, elétrico e/ou físico em seu cérebro – como a destruição de neurônios por um AVC e uso de drogas psicoativas, p.e. – vão construir uma percepção da realidade diferente em você e que agora, mesmo com o seu cérebro intacto, o que você está vendo pode não ser exatamente igual á realidade, mas um conjunto de disparos químicos e elétricos formando sensações, emoções e percepções “possíveis” da realidade. Parafraseando William James, um dos primeiros psicólogos a pesquisar as emoções e autor de um clássico nas Ciências das Religiões (As variedades das experiências religiosas): “o mundo em que você vive é criado por você mesmo”; ou traduzindo de uma forma mais “pós-moderna”: cada um de nós habita a nossa própria Matrix, construída ao longo de nossas vidas, fruto de nosso meio e de nossa genética.

O Transhumanismo prega o homem “pós-humano, demasiadamente pós-humano”, assim como Nietzsche que matou Deus, agora os transhumanistas declaram sua reverência a ciência e a tecnologia. Será possível, em 200 anos transferirmos todos os nossos sonhos, realidades, desejos, emoções, percepções para um corpo 2.0? Conseguiremos viver eternamente? Continuaremos a sentir e assim produzir mais emoções ou sairemos de um “corpo limitado 1.0” para outro limitado 2.0, só com a diferença de não apodrecer mais?

Talvez o cyborgue – humano 2.0 - nunca consiga “transformar” as sensações do mundo em percepções, que como vimos são as causas imediatas das experiências humanas. As sensações, as percepções sobre elas e assim as emoções são atributos genuinamente dos humanos 1.0? Na verdade não importa, contanto que o homem pós-moderno 2.0 tenha um “corpo” capaz de sentir o mundo e seus estímulos e não apenas uma mente transferida para um corpo cyborgue; e que após ser realizado o download de sua mente, self ou eu, para um corpo 2.0 “ele transferido” não pare de sentir, pois caso contrário, só será possível realizar upgrade de matrizes que ainda sintam, pois se transferir apenas as “memórias” – como lutar kung-fu ou pilotar um helicóptero - estaremos transferindo apenas as percepções de outra pessoa (1.0) que sentiu/percebeu e se emocionou para o “transferido” pós-humano 2.0 e se isso acontecer, os humanos 1.0 que são a maioria e parecem estar fadados á extinção, serão as jóias do futuro pós-humano, pois todos desejarão sentir mais uma vez e não apenas colecionar as experiências dos outros que já viveram, sentiram, emocionaram-se e morreram neste(s) mundo(s).

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