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Psiconeuroimunoendocrinologia, o Estresse, o Yoga e Você


Psiconeuroimunoendocrinologia

As facilidades impostas pela melhora da tecnologia no mundo moderno têm gerado seres humanos cada vez mais sedentários, e paralelamente tem ocorrido um aumento das doenças crônicas degenerativas. Pouca importância tem sido dada às alterações que esse sedentarismo provoca no sistema imunológico.

Uma das áreas mais fascinantes e de rápido desenvolvimento na fisiologia moderna compreende a ligação entre a mente e o corpo. Embora muitos renomados cientistas tenham zombado deste tópico durante muitos anos, a interação entre as nossas emoções e as doenças somáticas tem sido descrita por séculos. Muitas sociedades descrevem histórias de pessoas que perderam a alegria de viver e mais tarde morreram sem nenhuma doença aparente, ou de pessoas que desistiram da morte e tiveram uma recuperação notável.

A interação entre a mente e os demais sistemas de integração, como o nervoso, o endócrino e o imunológico, permite-nos postular a existência de um sistema psiconeuroimunendócrino, responsável pela manutenção do equilíbrio interno de nosso organismo, e cuja existência nos permite entender como modificações em um dos elos levaria ao desarranjo dos demais. A base de sustentação para a existência deste eixo seria a possibilidade de troca de informações entre os diferentes subsistemas, através da liberação de uma grande quantidade de substâncias químicas, como citocinas, peptídeos, monoaminas, glicocorticóides, radicais livres e opióides. A assunção de tal pressuposto nos permite compreender melhor as ligações entre a incapacidade de se enfrentar o estresse e o desenvolvimento de enfermidades.

O estresse é um fenômeno biológico comum e conhecido por todos nós através de nossas próprias experiências. A vida moderna tem sido caracterizada pelos altos índices de estresse, e tem levado uma grande quantidade de pessoas a procurar abrigo em spas, academias de ginástica, livros de auto-ajuda e, neste contexto, o refúgio no yoga, nas práticas meditativas, assim como no seio de diversas religiões, também encerra importância fundamental. Sendo assim, é lícito compreender melhor os mecanismos envolvidos na geração do estresse, assim como a possibilidade de diminuí-lo através de tais práticas.

Em sua etimologia o verbete estresse tem como sinônimo o termo strain e remonta às origens das línguas Indo-Européias. No grego antigo, era a raiz de strangale e do verbo strangaleuin que significa estrangular. Em latim, a raiz formou o verbo stringere que significa apertar. Logo, as raízes do estresse remetem à idéia do empenho de forças fundamentalmente contrárias.

A percepção do estresse é bem antiga. Para os homens primitivos, a perda de vigor e o sentimento de exaustão que experienciavam após um trabalho intenso ou exposição prolongada ao frio, ao calor, perda de sangue, medo ou doença, teriam alguma semelhança entre si.

Claude Bernard, fisiologista francês considerado o pai da ciência moderna, introduziu o conceito de milieu interieur ou o princípio do equilíbrio fisiológico interno dinâmico, dependente do líquido orgânico que circunda e banha todos os tecidos. Bernard foi primeiro a observar que o meio interno dos organismos vivos não era meramente um veículo para levar alimento às células, mas que da estabilidade do meio interior dependia o nosso bem estar geral. A partir da noção de meio interno constante, Walter Cannon, um fisiologista americano, desenvolveu o conceito de homeostase, do qual depende a qualidade de vida do ser humano. Entende-se por homeostase o conjunto de mecanismos regulatórios que mantêm a constituição do meio interno dentro de limites adequados para a sobrevivência do organismo, permitindo sua funcionalidade pela adaptação às condições externas variáveis da natureza. Tais mecanismos são os responsáveis pela detecção e correção de variações em diversos parâmetros orgânicos, tais como pressão arterial, volume sangüíneo, temperatura corporal interna, concentração de sais minerais, pH, entre outros. A existência desses mecanismos de regulação permite o funcionamento do organismo nas condições externas presentes na natureza.

Segundo Selye, o estresse é definido como um estado de diminuição da homeostase, onde o organismo apresenta diversos sintomas que demonstram sua crescente dificuldade em adaptar-se aos agentes físicos ou patológicos. Este mesmo pesquisador foi o responsável por introduzir o conceito de Síndrome da Adaptação Geral, que pode ser definido como a resposta não-específica estereotipada do organismo sadio a sinais estressores de diversas origens. A reação de adaptação aumentaria o poder de resistência do organismo aos agentes estressores e à sua capacidade de moldar-se às mudanças ambientais. O fator limitante da adaptabilidade de um organismo é a chamada energia de adaptação, ou seja, a capacidade de resistir às influências adversas do meio ambiente, que é limitada e declina com o aumento e/ou a contínua exposição ao agente estressante, levando a um desajuste da referida capacidade adaptativa e ao surgimento das doenças.

Ao longo da vida, a capacidade de adaptação do indivíduo vai se deteriorando, processo conhecido como senescência, provocando a queda da qualidade de vida. Em situações extremas, ou então quando o organismo não consegue reagir de forma adequada às situações do dia-a-dia, sobrevém o estado comumente chamado de estresse crônico. O estresse crônico pode atingir qualquer pessoa, independente da idade: atletas sobrecarregados com inúmeras sessões de treino, crianças sobrecarregadas com tarefas cotidianas, trabalhadores presos diariamente nos engarrafamentos da avenida Brasil no Rio de Janeiro ou das marginais em São Paulo etc. Um indivíduo nessas condições passaria por três estágios: no primeiro momento a experiência parece ser muito dura, é a reação de alarme do organismo, em seguida acostuma-se a ela, é o estado de resistência, e finalmente não se pode mais suportá-la, é o estado de exaustão.

É sabido que estressores físicos são capazes de influenciar a funcionalidade do sistema imunológico. Além desses fatores estressantes citados acima, as injúrias térmicas, traumáticas, cirúrgicas, o infarto do miocárdio e o choque hemorrágico também são capazes de influenciar a funcionalidade do sistema imunológico.

O exercício físico também tem sido classificado como um agente estressor, pois se sabe que este é capaz de alterar o estado de equilíbrio do eixo psiconeuroimunendócrino, influenciando a saúde do indivíduo. Devido a isso, inúmeros cientistas têm feito uso do exercício quando querem testar algum medicamento ou alguma terapia que supostamente possa combater o estresse, pois caso a intervenção seja eficaz, o indivíduo que se submete a ela deverá realizar o mesmo exercício com um menor gasto energético. O exercício também é reconhecido como um potente influenciador do sistema imunológico, muito embora os mecanismos por detrás de tais efeitos não sejam totalmente conhecidos. Sabe-se, porém, que a prática de exercícios em diferentes intensidades e segundo diferentes protocolos de execução e duração pode exercer efeitos positivos ou negativos sobre diversos parâmetros do sistema imunológico, uma vez que pode aumentar algumas células deste sistema, ou ainda, reduzi-las sensivelmente. Logo, exercícios moderados como um jogging na praia estimulam o sistema imunológico, ocorrendo justamente o oposto com exercícios mais intensos. Deve-se salientar que além da intensidade com a qual o exercício é realizado, a freqüência com que se pratica o mesmo (agudo ou crônico) também é fundamental na promoção de seus efeitos. Portanto, ao se estudar os efeitos do exercício sobre o sistema imunológico deve-se obrigatoriamente distinguir os resultados que são característicos de sessões agudas, daqueles decorrentes do exercício crônico, repetitivo, intenso, demasiado.

Se a compreensão dos mecanismos pelos quais o exercício atua no sistema imunológico ainda está em seu estado embrionário, muito menos se sabe a respeito da influência das práticas yoguicas, meditativas ou das orações sobre a dinâmica do sistema de defesa do corpo. Dentro em breve comentaremos mais sobre esse tópico. Todavia, compreender, ao menos que parcialmente, como o exercício influencia o sistema imunológico, é um pré-requisito para iniciarmos nosso discurso sobre os benefícios da prática do yoga e da meditação na aquisição de uma resposta imunológica mais eficaz. Sabe-se que, apesar do yoga ser muito mais do que um mero exercício, algumas escolas partem do trabalho corporal com o intuito de atingir estados conscienciais mais elevados, e talvez no futuro, os pesquisadores associem tais práticas ao conhecimento que hoje se constrói da relação exercício-sistema imunológico. Todavia, de compreensão muito mais difícil é a influência da meditação por si só sobre o sistema imune, pois, como dito na introdução deste trabalho, a meditação é a prática do nada fazer, do estar conscientemente em silêncio profundo, da contemplação pacífica dos pensamentos vagantes. Como o nada fazer pode, supostamente influenciar de forma benéfica o sistema imunológico é uma questão deveras intrigante.

Baseado nas hipóteses acima descritas, pesquisadores tem sugerido que o exercício de intensidade moderada aumentaria a resistência contra infecções ao liberar fatores imunomoduladores na circulação, como hormônio do crescimento, prolactina e citocinas. Portanto, de acordo com essa proposta, o exercício moderado para apresentar efeitos positivos deve ser realizado em intensidade que corresponda a pelo menos 60% da capacidade aeróbia máxima de um indivíduo, que é a capacidade associada ao ato de correr, nadar, pedalar, caminhar etc. Isso se deve ao fato de que alterações significativas de hormônios como adrenalina, noradrenalina, hormônio do crescimento, e beta-endorfina, assim como aumentos da temperatura corporal, ocorreriam a partir dessa intensidade. O exercício de alta intensidade por sua vez, não apresentaria esses mesmos efeitos positivos devido ao fato de promover a liberação de diversas substâncias imunossupressoras em quantidades elevadas, os glicocorticóides O cortisol é um hormônio glicocorticóide que pode ser nocivo para o sistema imunológico, principalmente quando suas concentrações plasmáticas são mantidas elevadas por longos períodos de tempo. Este fato é comumente visto em pessoas que sofrem com o estresse crônico, seja ele advindo de cargas excessivas de exercício, ou de preocupações exageradas com os problemas do cotidiano.

Portanto, o exercício físico agudo ou crônico, por se tratar de um fator estressor, tem seu papel sobre o sistema nervoso e endócrino. Mas, como dito anteriormente, com relação aos seus efeitos sobre o sistema imunológico, sua função ainda não está firmemente estabelecida. Esta dificuldade em se estabelecer o papel do exercício sobre a imunidade está relacionada ao grande número de variáveis diretamente ligadas à prática da atividade física, tais como: intensidade, duração e cronicidade.103 Os mecanismos envolvidos na resposta do sistema imunológico ao exercício englobam alterações hormonais, notadamente nas concentrações plasmáticas de alguns hormônios e do aminoácido conhecido como glutamina, pois é sabido que este é essencial no metabolismo dos leucócitos.

O exercício e suas conseqüências fisio-metabólicas causam profundas mudanças no número e distribuição de leucócitos na circulação e podem induzir mudanças na resposta proliferativa dos linfócitos. A redistribuição dos leucócitos tem sido atribuída às mudanças hormonais ocorridas durante e imediatamente após o exercício. Já no começo do século XX, se demonstrou que participantes da maratona de Boston, apresentavam leucocitose, que é o aumento das células do sistema imunológico no sangue, após o exercício. A leucocitose é uma das mudanças consistentemente observada durante o exercício. O número de leucócitos na circulação pode crescer quatro vezes, e continuar aumentando após o término do exercício, e ainda permanecer elevado por períodos prolongados, após alguns tipos de atividade. No geral, a magnitude da leucocitose parece estar diretamente relacionada à intensidade e duração do exercício e inversamente relacionada ao nível de aptidão do indivíduo. O aumento do número dos leucócitos se deve predominantemente ao aumento nos neutrófilos e, num menor grau, linfócitos, apesar do número de monócitos também aumentar. Ao contrário, durante exercícios muito longos, tais como 24 horas de caminhada, o número de leucócitos aumenta progressivamente após 16 horas, e então diminui e continua baixo até 62 horas após a caminhada.

Indivíduos não treinados também exibem leucocitose durante e depois de vários tipos de exercício. A magnitude da leucocitose induzida pelo exercício em sujeitos não treinados é semelhante àquela dos atletas, quando o exercício é realizado na mesma taxa de trabalho relativo, ou seja, com intensidades semelhantes quando se respeita a individualidade biológica de cada esportista. Isso por si só já nos faz hipotetizar os benefícios que uma aula de yoga poderia trazer para a aquisição de um sistema imunológico mais eficaz, uma vez que mesmo aquelas linhas de Hatha-Yoga menos vigorosas podem, para algumas pessoas, caracterizar-se como um exercício moderado. Em alguns momentos, dependendo do indivíduo em questão, o exercício corporal pode ser até mesmo classificado como pesado ou extremo como no caso das escolas do Asthanga-Vinyasa Yoga ou do Power Yoga. Contudo, no presente momento isso é somente especulativo, uma vez que não encontramos na literatura científica mundial nenhum trabalho que tenha intencionado averiguar as respostas imunológicas advindas da prática do yoga corporal.

Em condições de repouso, menos da metade dos leucócitos maduros do corpo está circulando no sistema vascular. O resto é seqüestrado para perfusão de microvascularidades nos pulmões, fígado, e baço. O mecanismo exato pelo qual os leucócitos são lançados dentro da circulação durante o exercício permanece desconhecido, mas pode envolver fatores mecânicos, assim como o aumento do rendimento cardíaco, bem como mudanças nas interações entre leucócitos e células endoteliais dos capilares. O exercício ainda influencia o número de linfócitos. A linfocitose, que é o aumento do número de linfócitos, ocorre durante e imediatamente após o exercício, realizado nas mais diversas condições como, após 10 minutos de subida de escadas ou após uma corrida de maratona. Tal como o observado com relação aos leucócitos totais, o número de linfócitos sobe progressivamente com o aumento da taxa de trabalho, e a magnitude da linfocitose está relacionada à intensidade do exercício.

Vários subgrupos de linfócitos podem responder diferentemente ao exercício. Em geral, todos os subgrupos aumentam em número, mas as células B e natural killer (NK) podem atingir número proporcionalmente maior que as células T. O exercício intenso e breve, recruta as células T da circulação, mas seu número pode ser restaurado logo após a atividade. O número aumenta mais em indivíduos não treinados do que em treinados após exercício intenso e breve. Já o número de células B aumenta dramaticamente durante o exercício, mas retorna rapidamente ao nível basal logo após o seu término.

Trabalhos realizados com animais de laboratório mostraram que a produção de anticorpos (imunoglobulinas) pelas células B também é reduzida pelo exercício exaustivo, sugerindo supressão da proliferação de células T e subseqüente estimulação da diferenciação das células B. Por outro lado, indivíduos que praticaram meditação por alguns meses demonstraram aumentos significativos na produção de anticorpos específicos. Esta pesquisa sobre meditação é a única na literatura científica mundial que investigou os efeitos da prática meditativa sobre a função imunológica no ser humano, e seus achados são deveras interessantes. Sendo assim, mais adiante versaremos sobre ela com um maior grau de profundidade.

Todavia, algumas coisas ainda devem ser faladas sobre o sistema imunológico humano. Os linfócitos fazem parte do eixo neuroimunoendócrino, responsável pelo controle da homeostase119, e necessitamos conhecer melhor esse tipo celular. Os linfócitos são células com diâmetro variando entre 6-10 m, e isso significa dizer que são pequenas; muito pequenas. No corpo humano existem cerca de 2x1012 linfócitos, e isso significa dizer que temos muitos linfócitos; bastante mesmo. O número total é tão grande que o sistema imunológico pode ser comparável, em massa celular, ao fígado ou ao encéfalo, representando cerca de 2% do peso corporal.120 Os linfócitos originam-se a partir de células primitivas localizadas na medula óssea. Os linfócitos B adquirem maturidade na própria medula óssea, ao contrário dos linfócitos T, que o fazem no timo. As células B, quando estimuladas por citocinas, passam a se dividir e podem dar origem às células produtoras de anticorpos. As células T não sintetizam imunoglobulinas, mas atuam como moduladoras da resposta imunológica.

Os linfócitos T estão intimamente envolvidos na iniciação e regulação da maior parte das respostas imunológicas, graças a sua capacidade em modular a atividade de algumas células deste sistema. Exemplos dessas modulações são: a ativação de células B para proliferação e produção de anticorpos; a morte de células tumorais e células infectadas por vírus; e secreção de fatores solúveis que modulam a atividade de outras células do sistema imunológico.

Os estudos sobre os efeitos do exercício na função de linfócitos B e T realizados até o momento, utilizaram-se de protocolos de treinamento e exercícios variados, não havendo uma sistematização desses resultados. Menos sistematizado ainda está o ramo da ciência que investiga os efeitos sobre o sistema imunológico advindos da prática da prece e da meditação. Entretanto, Richard Davidson, a pedido do Dalai Lama, iniciou uma série de pesquisas com monges budistas e com praticantes menos versados em meditação. Uma de suas pesquisas investigou os efeitos da meditação sobre o sistema imunológico de seus praticantes. Tal pesquisa, conduzida de forma extremamente elegante, fez uso de vinte e cinco voluntários treinados em técnicas meditativas durante oito semanas. Dezesseis outros voluntários serviram como grupo controle da experiência, e não passaram pelo treino em meditação. Richard Davidson e seus colaboradores realizaram eletroencefalografias em ambos os grupos, e perceberam que o grupo praticante de meditação apresentou durante a prática meditativa, assim como, em períodos posteriores, uma maior ativação de seu córtex pré-frontal esquerdo. Ativações eletroencefalográficas nesta região têm sido correlacionadas com a presença de emoções mais positivas. Outras pesquisas ainda correlacionam tais ativações assimétricas do córtex pré-frontal esquerdo, com melhores funções imunológicas refletidas através de maiores atividades das células natural killers (NK).

Como algumas recentes pesquisas têm demonstrado, o estresse da vida cotidiana pode interferir na resposta imunológica à algumas vacinas. Em outras palavras, quanto maior o nível de estresse, menor os benefícios advindos da imunização medicamentosa, como por exemplo, da vacina que combate o vírus da influenza. Richard Davidson e seus colaboradores hipotetizaram que a prática meditativa poderia melhorar a resposta imunológica. Para testar tal hipótese, os dois grupos participantes da pesquisa receberam uma vacina contra o vírus da influenza, logo após o término das oito semanas de treino meditativo. Após quatro meses, a quantidade de anticorpos específicos para esse vírus foi medida, e o grupo praticante de meditação mostrou efeitos mais positivos em seu sistema imunológico, uma vez que a contagem de anticorpos foi significativamente maior do que a do grupo controle. Os autores ainda demonstraram que aqueles indivíduos submetidos à prática da meditação, e que apresentaram uma maior ativação cortical esquerda, apresentaram também uma maior contagem de anticorpos.

A pesquisa conclui que a meditação, mesmo aquela realizada em curto espaço de tempo, pode produzir efeitos significativos no cérebro e no sistema imunológico. Futuras pesquisas são necessárias para que se possa investigar com mais profundidade tais achados, uma vez que a reprodução dessas pesquisas pode ser de grande valia para todos os profissionais atuantes na área da saúde.

Os caminhos neuroquímicos do estresse

Como vimos, a experiência do estresse é comum a todos nós. Expectativas positivas, assim como expectativas negativas, geram um espectro muito grande de alterações fisiológicas necessárias para a manutenção da homeostase do organismo. Versamos que uma das adaptações mais fundamentais é a liberação de glicocorticóides pelas glândulas adrenais, mais especificamente o córtex de tais glândulas. Todavia, a hipersecreção de glicocorticóides pode desencadear uma disfunção psicofisiológica no organismo em questão. Desequilíbrios das cascatas regulatórias do estresse estão associados à patogênese de diversas doenças, como colite, hipertensão, asma, depressão, ansiedade etc; assim como algumas doenças neurodegenerativas, tal qual o mal de Alzheimer.

A secreção de glicorticóides é desencadeada através de um eixo neuroendócrino conhecido como: eixo hipotálamo-hipófise-adrenocortical (HHA). Em contrapartida, o eixo HHA é controlado por uma grande quantidade de neurocircuitos associados à percepção do estresse. O principal núcleo hipotalâmico relacionado a esse eixo é o núcleo paraventricular (NPV). Sob condições do estresse, esse núcleo libera um hormônio conhecido como: hormônio liberador de corticotropina (CRH), além de arginina-vasopressina (AVP). Tais hormônios induzem à liberação do hormônio adrenocorticotrópico (ACTH) da glândula hipófise anterior, sendo que este é o responsável pela liberação de glicocorticóides do córtex das glândulas adrenais. Estresses prolongados correlacionam-se positivamente com os aumentos da liberação de CRH, AVP e ACTH, e isso induz uma liberação crônica de glicocorticóides, o que afeta negativamente o sistema imunológico do organismo, privando-o de suas defesas naturais contra agentes patogênicos.

Não são poucas as cascatas bioquímicas associadas ao estresse. Há aproximadamente 30 anos atrás falar de doenças produzidas pela mente era algo destinado aos cursos voltados à psicologia e auto-ajuda, que as caracterizavam como doenças psicossomáticas. Atualmente, as neurociências têm corroborado as afirmações realizadas há décadas por tais profissionais, na medida em que tem descoberto os caminhos neuronais que intermedeiam o pensamento, as emoções e a liberação de neurotransmissores e hormônios que podem patrocinar a saúde ou a doença.

O ioga, a cura e você

É inegável que o ioga contemporâneo (o que você pratica) estabeleceu um estreito diálogo com a cura e a terapia ocidentais. Em outros textos explorei melhor a relação do ritual de cura ioguico e a influência da biomedicina com as escrituras antigas do ioga. Entretanto, aqui, quis evidenciar que as práticas ioguicas podem contribuir (e estão) com a diminuição do estresse crônico dos habitantes/praticantes de ioga das grandes cidades. As práticas de ioga conseguem arrefecer neurotransmissores e hormônios ligados ao estresse e fortalecer essa imensa rede que compõe o eixo psico-neuro-endócrino-imunológico do nosso organismo. Mas o que isso tem a ver com a proposta de libertação de maya, o estado de samadhi e o alcance de kaivalya? Será que o ioga não está pagando um alto preço por ter ser envolvido com a ciência como meio proselitista moderno? Ou o ioga surge (romanticamente?) como uma nova espiritualidade para uma "nova ciência", à luz de D.Chopra, A.Goswami e outros cientistas-gurus?

Para ser mais claro: e daí que essas repercussões fisiológicas tenham alcançado essa interpretação da biomedicina? O ioga contemporâneo realmente precisa da legitimação da ciência, pois a sua espiritualidade perdeu valor para o empirismo científico, ou a sua proposta de libertação das agruras da vida (asthanga ioga de Patanjali) necessitam hoje mais dos cientistas do que os swamis de outrora? Essas são questões que tentei responder ao longo da minha dissertação de mestrado e tese de doutorado. Confira e me diga depois o que acha.

Extraído do livro Neurofisiologia da Meditação, Ed.Phorte.

Aos mais afoitos por referências, estão todas lá, ao final do capítulo 1. Se você não aguenta, me peça, se for necessário.

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