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Prof.Dr.Roberto Simões

O Espírito do Yoga e o Neoliberalismo


Introdução

            O sociólogo alemão Max Weber em visita aos Estados Unidos por volta de 1910, percebeu que o estilo de vida (ética) dos protestantes calvinistas criava condições favoráveis para o que o capitalismo se desenvolvesse com maior vigor naquele país. Ficou clássico o seu livro Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Aqui, neste pequeno ensaio, pretendo inverter a ideia weberiana com o objeto yoga - mas que acredito servir para outras espiritualidades com influência nova erista (claro que não pretendo aqui nenhuma análise sociológica da envergadura de Weber, o clássico trabalho do pai da sociologia moderna me serve apenas de inspiração).

            Tentarei expor a seguir como o “espírito” da economia neoliberal, como praticada no governo de Augusto Pinochet no Chile, Margareth Thatcher na Inglaterra e Ronald Reagan nos Estados Unidos, inspirou um modelo empresarial dos iogues brasileiros gerenciarem suas carreiras de instrutores/professores/mestres e com isso, todas as vicissitudes e alegrias de uma sociedade onde não há ninguém (pensando aqui no conceito de um Estado centralizador, típico pensamento marxista) que organize esse microuniverso. Desse modo, tudo é permitido em nome da liberdade de escolha. E, perceba, isso é bom pois não permite um monopólio espiritual, mas como tudo preserva sempre um outro lado.

Teologia da Prosperidade Protestante

            O protestantismo nasce com Martinho Lutero, um teólogo católico alemão que “protesta” contra infalibilidade papal. Ele foi excomungado em 1521 pela Santa Inquisição por não retirar suas críticas a Igreja Católica. Lutero traduziu a Bíblia para o idioma alemão, o que permitiu cada cristão de seu país interpretar as palavras de Jesus, algo que a Igreja Católica Apostólica Romana condenou alegando, dentre outras, que apenas os clérigos teriam capacidade cognitiva de compreender e repassar aos leigos corretamente as mensagens de Deus. 

   Uma das principais consequências das 95 teses de Lutero estavam na eliminação de qualquer intermediação de Deus com os homens: Deus ouve os protestantes, mas não fala com eles. Ao contrário dos católicos, o culto a santos, profetas e místicos são interpretadas como iconoclastia para os protestantes. 

   Mas se a os cristãos protestantes não tecem comunicação com Deus, como saber se serão escolhidos a adentrar ao Reinos dos Céus? Sim, pois aos cristãos católicos a todo pecado cometido sempre haverá a confissão e a penitência a pagar e os livrar de suas falhas, mas aos protestantes não. Por isso Calvino e Lutero instituirão a Teologia da Prosperidade – em contraposição a Teologia da Caridade dos católicos. A teologia da prosperidade compreende que é pelas obras da vida que o crente protestante poderá ter um pequeno vislumbre da sua redenção ou não. Dessa forma, enquanto aos católicos os pobres são vistos como objetos para a caridade dos ricos, pois é natural que haja essa divisão de classes sociais; aos protestantes, sobretudo os calvinistas, a riqueza é percebida como Deus “abençoando” as suas vidas. Alguém ocioso, sem trabalhar ou visto como preguiçoso está mais afastado das Graças de Deus; aí está a teologia que privilegia o trabalho e a prosperidade - a fábula da Cigarra e da Formiga ilustra bem o que me refiro acima; é óbvio, o pensamento marxista se coaduna bem também a esse pensamento. 

            Agora, espero você vislumbrar a ideia central de Max Weber em correlacionar a ética protestante e o espírito do capitalismo. Em países com maior primazia ideológica protestante, o modelo econômico capitalista, aonde a produção e o consumo são valorizados, prosperam e privilegiam o acúmulo de riquezas. Essa é a sua tese.

Neoliberalismo        

            Ao invés de um sistema econômico em que a produção é racionalmente planejada e todos os meios de produção são propriedades de um Estado centralizador, como eram a China, a ex-União Soviética e a Cuba atual; ou do Liberalismo Clássico, nascido no contexto da Revolução Industrial e crescente urbanização do séc. XIX, destaca-se na ideia do Livre Mercado, o Utilitarismo e no Progresso. O Neoliberalismo surge como uma nova forma de economia capitalista, forte opositora da economia social planificada (ou seja, marxismo), e com diferenças fundantes do liberalismo clássico. Os neoliberais, sobretudo, buscaram uma alternativa (a terceira via) econômica capaz de não cometer as mesmas falhas que fizeram ruir a economia (liberal clássica) norte-americana em 1929, e da pobreza dos socialistas.

            Os neoliberais concordam com os liberais clássicos que existiria uma “Mão-Invisível” (Teoria de Adam Smith) que controlaria espontaneamente o mercado. Eles também julgam que quanto menos o Estado intervir na economia, mais benefícios à sociedade seriam gerados. Entretanto, contrário aos liberais clássicos, os neoliberais apostam em políticas de total liberalização econômica, como as privatizações, maior austeridade fiscal, livre comércio e o corte de despesas governamentais; o objetivo é fortalecer ainda mais o setor privado na economia. É o que no Brasil podemos dizer que a “direita” defende.

            As principais críticas ao neoliberalismo se concentra no fato que, mesmo com o maior crescimento econômico mundial, não houve redução na desigualdade social e pobreza como garantidos como certo entre os economistas neoliberais. Pelo contrário, alguns relatórios da ONU apontam o capital fugindo dos países mais pobres e indo aos países mais ricos - e claro que aqui cabe a ressalva a quem a ONU “legisla”. Outra crítica a esse novo modelo liberal econômico é que os países ditos neoliberais, não praticam suas diretrizes dentro de suas fronteiras, como criando leis que obrigam seus bancos reaplicar localmente parte do dinheiro captado na comunidade por exemplo, como é o caso dos Estados Unidos.

            O que é tácito sob o ponto de vista das sociedades sob o regime econômico neoliberal, com seu foco na liberdade de mercado e oportunidade igualitária de prosperidade desmesurada (“O sonho americano”), é o aumento das horas dedicadas ao trabalho e, com isso, o surgir de “sociedades cansadas” (ver Sociedade do Cansaço do coreano Chul-Han). 

    Não é coincidência os indivíduos que vivem sob esse regime elegerem o “estresse” como o “mal do século”. Nunca tivemos tantas pessoas deprimidas, com a atenção deficitária e ansiosas como nas últimas décadas de neoliberalismo - apesar que se compararmos, ainda é melhor do que trabalhar na China “planificada socialmente”. Mas mesmo entre os conservadores, como Olavo de Carvalho, percebe-se uma crítica a uma certa obrigação de “dar certo” nas sociedade neoliberais; se você não consegue prosperar e atingir as metas estipuladas, a culpa é sua, pois a “oportunidade está aí, na sua porta, é só agarrar”, diz o senso comum. 

   Um medo paira no ar! Seja pela revolução cultural que a esquerda impetra, seja pela obrigação de ter uma “start-up” de sucesso. Em suma, há um certo mal-estar, um não-sei-o-quê que nos afasta de quem somos. Pois o contrário de mal-estar, não é bem-estar como apregoam os neoliberais, mas de simplesmente “estar”, afirma o psicanalista brasileiro Dunker em seu "Lógica do Condomínio". No Brasil o modelo neoliberal na economia surge no auge da ditadura política. E, como vimos, o neoliberal acredita na meritocracia: vence o que merece e não quem precisa.

O sofrimento espiritual neoliberal e a espiritualidade do Ioga

            Um modo de vida urbana surge neste mesmo período, a vida em forma de condomínios (DUNKER). A “lógica do condomínio” acompanha um certo desejo de ascetismo, de limpeza e “purificação social”. Para Dunker, esse desejo de viver entre muros é sintoma de um sofrimento advindo deste modelo socioeconômico neoliberal. O sofrimento de nunca chegar, de sentir-se fora do lugar. O psicanalista entende que a "vida em condomínio" (não só de casas, mas dos shoppings e outras formas de vida "controladas") surge da ânsia de evadir-se para um lugar utópico com “muros de defesa”. Há um cheiro no ar de vontade de mudança. Incrível o psicanalista não se antever que as sociedades marxistas são também utopias que igualmente geram o mesmo mal-estar. Ninguém nos EUA, por exemplo, improvisa uma boia para ir morar em Cuba.

            E aqui entra o ioga como espiritualidade que, ao contrário do que M.Weber encontrou em dialética entre a ética protestante criando condições ao espírito capitalista prosperar, encontra nestes indivíduos urbanos vivendo em “condomínios” (e aqui condomínio é aplicado como metáfora de um sentimento de “não-lugar”, de pessoas que desejam uma “outra vida” - seja ela socialista ou liberal) encontram uma filosofia espiritual prometendo o fim deste sofrimento. 

  A espiritualidade do ioga se adapta às sociedades urbanas de economia neoliberal mas também entre os socialistas que sonham com uma sociedade sem classes. São ambos grupos altamente estressados e em busca de suas metas a cumprir, formatando rituais de purificação corporal e mental com a promessa de curar a falta de sentido da depressão, o aumento da atenção no hipnótico “agora” e não em projeções futuras; em suma, o fim da ansiedade e o surgir de um estado de calma e relaxamento regados de espiritualidade "soft".

            Em poucas palavras, o ioga promete essa mudança de vida. Não é coincidência que nas últimas décadas são centenas de cursos para formar novos professores de ioga, nem tanto por um mercado de alunos prosperar, mas, sobretudo, pois o título “professor de ioga” migrou para guia espiritual, guru, "life coaching" ou mestre em uma espiritualidade ancestral, com fundamentação religiosa advinda dos textos sagrados do hinduísmo, para um próspero negócio: os studios boutiques de ioga para a classe média brasileira.

Nem tudo são flores

            Tudo agora é percebido como um modelo empresarial. A figura do “gestor” está disseminada por todos os setores das sociedades globalizadas; até mesmo no campo social religioso/espiritual isso se evidencia. Como afirmei acima, ser professor de ioga transformou o iogue-professor-orientador espiritual em iogue-empresário-gestor de sua própria vida e dos outros também.

            Ao mesmo tempo que defendo o ioga (e outras espiritualidades advindas do movimento religioso Nova Era) como uma espiritualidade idealmente adaptada ao sofrimento real de sociedades urbanas de economia neoliberal mas também a outros grupos que anseiam pelo messianismo marxista; apresento, ambivalentemente, que o mesmo modelo empresarial centrado no livre comércio e do que vence-quem-se-vender-melhor (meritocracia), impregna o microuniverso dos iogues brasileiros.

            O modelo capitalista neoliberal, como vimos, é centrado na ideia que as coisas se ajeitam por si só, que cada um é responsável por seu sucesso (inconscientemente, que a prosperidade, é sinal divino) e vence quem tiver mérito e,  muitas vezes, sem nenhum respeito por quem trilhou por mais tempo e com maior envergadura determinada ideia. São “cases” de sucesso e exemplos a intolerância pelo erro, "heróis neoliberais" como Steve Jobs e a adoção indevida de ideias alheias ou a “passada de perna” de Mark Zuckerberg no brasileiro Eduardo Saverin na próspera carreira do Facebook como "start-up" de sucesso a ser seguida.

            No ioga brasileiro são diversos episódios parecidos como esses. Devido a isso, alguns iogues que entrevistei no meu doutoramento entre os anos de 2012-2015 no Brasil, apontam o ioga como um “mercado” de livre comércio. Os cursos de formação se proliferam e hoje até cursos a distância ocorrem; mas o que prospera não são as melhores formações em professores de ioga, mas as de “custo-benefício” mais tentadoras para um público sedento por ingressar na luta por uma fatia da economia movimentada do ioga em cursos, workshops, retiros e peregrinações a lugares “santos”. A promessa fácil de uma vida “alternativa” vendida por alguns iogues-empresários disseminam uma cultura rasa de conteúdo e profunda de oportunismo financeiro. O que no início do ioga no Brasil se brigavam por ideias e posicionamentos divergentes sobre a origem ou filosofia espiritual do ioga, se transformou em um jogo barato de quem “vende mais (ou mesmo) por menos”. É a chancela na economia neoliberal e o modelo empresarial do “gerir” negócios de ioga que vigora, assim como o outro lado “alternativo” é cinico, pois faz a mesma coisa mas de roupa de açafrão, barba por fazer e chinelos de palha.

            O ioga, antes uma filosofia espiritual, hoje é um negócio promissor e liderado por empresários do ramo que varia do fitness ao do curandeirismo, aonde mistura-se da epigenética, física quântica à viagem astral, astrologia e antroposofia. Não é à toa que muitos iogues indignados com o mercantilismo espiritual ioguico se autoproclamam responsáveis pelo resgate do ioga original, pois eles são a porção conservadora de ultra-direita que se propõe a retomar a moral ioguica. 

   Infelizmente, o retorno ao ioga indiano ancestral é uma utopia (ou distopia), pois traria consigo a misoginia bramânica e uma sociedade estratificada com nenhuma mobilidade social, por exemplo. Amamos a Índia e sua riqueza cultural, mas não gostaria de herdar o seu modelo político e social erigido pelos "sábios" brâmanes. Gostaria sim, de resgatar a sabedoria de um sacerdote ordenado é sério em encaminhar outros a Verdade do ioga, mas sem cobrar 10mil por isso, mas por ser seu dharma.

            O que fazer você se pergunta? Eu sei que pode soar piegas esse assunto, mas se tratando do ioga como sentido espiritual de vida (no caso a sua vida e corpo), preocupar-se em quem trabalha com o ioga em você, lendo seus livros, buscando professores de ioga engajados com a filosofia e comprometidos em servir com educação e respeito, muito mais do que se servir de sua boa fé com formações e cursos de ioga "fast foods" e se apropriando do conhecimento dos outros, ao invés de inovarem, talvez possa ser os primeiros passos. 

   O outro passo, talvez, esteja em promover maior diálogo entre os professores de ioga (ao invés de sat-sangs e kirtans, porquê não seminários e mesas-redondas em que o público possa dialogar e debater ideias?) e, talvez, incentivá-los a se afiliarem em Alianças, Federações ou qualquer tipo de órgãos que chancelem apenas bons professores e educadores ao invés destes órgãos utilizarem seus mailings para promover o curso de formação de apadrinhados?

   Já que a fatia mais conservadora do ioga vem surgindo, porque não resgatar a moral que tanto apregoam que falta no ioga e que eles representam?


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