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O YOGA BRASILEIRO: CONVERSANDO COM YOGUES E CIENTISTAS


Pesquisador da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/Brasil (PUC-SP)

Centro de Estudos de Religiões Alternativas (CERAL-SP)

email: iogacontemporaneo@gmail.com

Resumo: O presente estudo busca investigar as singulares narrativas que o yoga indiano sofreu na sua transplantação ao Brasil. Foram entrevistados 10 yogues de expressão que atuam no território nacional e mais 3 cientistas que pesquisam o yoga e a meditação como terapia biomédica. O estudo revelou que os conceitos nativos do yoga (Klesas, Samadhi e Kaivalya, respectivamente relacionados às ideias de Causas do Mal, Experiência Mística e “Libertação”) vem sendo ressignificados como “Estresse”, “Relaxamento Espiritual” e “Homeostase Divina”. Essas novas narrativas míticas fazem sentido dentro da cultura brasileira e correspondem a novos anseios que atuam entre os yogues modernos no Brasil. Concluímos que o yoga no Brasil possui características próprias e vem se caracterizando como uma nova religião em andamento.

Abstract: The present study seeks to investigate the unique narratives that Indian yoga suffered in its transplantation to Brazil. We interviewed 10 expression yogues who work in the national territory and 3 scientists who research yoga and meditation as biomedical therapy. The study revealed that the native concepts of yoga (Klesas, Samadhi and Kaivalya, respectively related to the ideas of Causes of Evil, Mystical Experience and "Liberation") have been renamed "Stress," "Spiritual Relaxation," and "Divine Homeostasis." These new mythical narratives make sense within the Brazilian culture and correspond to new yearnings that act among modern yogis in Brazil. We conclude that yoga in Brazil has its own characteristics and has been characterized as a new religion in progress.

Introdução

O yoga, apesar de sua visibilidade nacional, foi objeto de escassas investigações sobre sua espiritualidade no Brasil e na América Latina. Por isso a necessidade de expor a busca de trazer à tona outros aspectos do yoga brasileiro que não se restrinjam a uma situação biomédica e aplicação terapêutica laica ou, por outro lado, as investigações exegéticas e linguistas de seus antigos textos. A partir de dados colhidos em pesquisa de campo, foram entrevistados os principais yogues (entre 2013–2015) do cenário brasileiro. A tarefa estava em buscar uma via de averiguação que levasse em conta seus aspectos históricos, antropológicos, sociológicos e psicobiológico sob a luz da ciência da religião. E para facilitar essa exposição por meio de entrevistas semi-estruturadas, foi adotado o yoga brasileiro em três grupos de agentes ou interlocutores ideais: 1) Professores de yoga, 2) Mentores yoguicos e 3) Cientistas que investigam as práticas de yoga.

O primeiro grupo de agentes foi formado pelos Professores de yoga que operavam no microuniverso espiritual brasileiro daquele período; eles ministravam aulas regulares em academias, estúdios e/ou espaços exclusivos. O segundo grupo são os que denominei de Mentores yoguicos, os responsáveis por “formar” novos professores de yoga. Os mentores são os que conservam, readequam, inovam e disseminam os princípios espirituais yoguicos no Brasil. Durante as primeiras entrevistas, todavia, percebeu-se a existência de um outro tipo de agentes atuando no campo espiritual brasileiro do yoga; eram os cientistas da saúde que, invariavelmente, se tornavam responsáveis por investigar as perspectivas terapêuticas das práticas yoguicas. É a categoria que denominei de Cientistas-yogues ou meditadores que, ao lado dos Mentores e Professores, vem contribuindo com a divulgação do yoga e de suas práticas corporais como “científicas”.

Poderia-se também considerar uma quarta categoria, a de Alunos/Praticantes, mas estes, obviamente mais numerosos, atuam muito mais na tessitura de consumidores espirituais do que produtores e/ou mantenedores dos bens de libertação espirituais yoguicos. Invariavelmente, somente quando um praticante de yoga se gradua em algum Curso de Formação para professores de yoga no Brasil, conquista legitimidade a discutir e criticar os professores e, talvez, mentores. Entretanto, quando isso ocorre, este personagem, automaticamente, ingressa ao grupo professores[1].

Desta feita, utilizamos aqui apenas as categorias mentores e cientistas pelos motivos descritos acima. E serão elas que constituirão parte da nossa base de dados argumentativos e discutidos a seguir.

O universo da pesquisa

Compreendemos que as quatro categorias adotadas neste artigo (professores, mentores, praticantes e cientistas), funcionando de forma orgânica e não-institucional, organizam e dirigem o yoga no Brasil como uma estrutura religiosa “invisível”. Ao contrário da Índia, Europa ou Estados Unidos, onde as tradições e as escolas modernas de yoga se instalaram com toda a legitimidade de seus líderes instituídos por linhagens ancestrais ou associações e alianças com base religiosa hinduísta, o yoga na América Latina, como mostramos em outra oportunidade (SIMÕES, 2018), se estruturou de forma singular pelo autodidatismo. Essa “organização espiritual” que fornece legitimidade aos professores e mentores brasileiros é baseada em duas instâncias de pensamento aventadas por mim como yogues Híbridos e Tradicionalistas (SIMÕES 2015).

Os yogues híbridos, segundo a concepção aqui empregada, se comportam de forma mais permissiva a sincretismos e inovações; são eles os responsáveis por criar os mais diversos métodos de yoga existentes no Brasil. Enquanto os segundos, os yogues tradicionalistas, são mais conservadores e “sectários”, por isso mesmo não percebem com bons olhos qualquer método de yoga que não descenda de uma linhagem indiana ancestral. Ambos, entretanto, tecem juntos uma membrana que delimita o yoga como uma espiritualidade singular no Brasil. Escolhemos, assim, dez mentores e três cientistas. A escolha por esses yogues obedeceram sua importância na configuração e legitimidade do discurso do yoga brasileiro no período investigativo (entre 2013–2015). Há outros que poderiam compor esse quadro, mas não creio que modificariam o conteúdo registrado, mas novas pesquisas na área podem corroborar ou contribuir com novas interpretações. Através de entrevistas de caráter qualitativo busquei formular hipóteses sobre o papel dos klesas que, como vimos, são os representantes do Mal ou obstáculos espirituais yoguicos.

As perguntas de forma semi-estruturadas, foram ordenadas deixando os entrevistados falarem com certa fluidez sobre sete assuntos pré-elaborados:

  1. Trajetória de vida;

  2. Relaxamento;

  3. Hinduísmo;

  4. Ecumenismo;

  5. Yoga, religião e suas influências espirituais;

  6. Ciência e Yoga;

  7. Estresse, klesas e obstáculos.

Entrevistados

A escolha dos yogues entrevistados e classificados como Mentores, foi proposta por uma tríade que os distinguem dos Praticantes/alunos, dos Professores, e Cientistas-yogues/meditadores já explicado:

  1. Estabelecimento de um curso formativo que solidifique a ideologia espiritual que professe;

  2. Edificação de produtos sobre a proposta espiritual yoguica, como livros, CDs, DVDs e outros;

  3. Peregrinações organizadas e guiadas a locais de importância espiritual para o yoga (e para o mentor requerido).

Defendemos que essa tríade (curso de formação, produtos espirituais à venda e peregrinações aos locais sagrados do yoga) funciona e sustenta a estrutura religiosa “invisível” comentada anteriormente do yoga brasileiro. Há uma rede espiritual estruturada, por parte da sociedade urbana e de classe média brasileira, que financia, mantém e consome os bens de libertação produzidos por todos os mentores, cientistas e parte dos professores de yoga no Brasil. A exceção se faz ao Prof. Hermógenes, que nunca possuiu um curso formativo propriamente dito, mas as suas obras se constituem verdadeiros cursos didáticos de ingresso ao microuniverso de sua cosmovisão do yoga.

Por respeito aos entrevistados, todos terão seus nomes preservados.

Yogue Ravi

Pertence à tradição do Swami Kuvalayananda e conheceu o yoga no ambiente acadêmico da Universidade de São Paulo (USP) da década de 1970 pelas mãos de Dona Inêz, também discípula do mesmo mestre e primeira yogue mulher no Brasil. Assim como sua mentora, Ravi foi estudar em Lonavla, Índia, no instituto de Kaivalyadhama por quase dois anos. Lá, teve como mentor o Prof. Gharote entre os anos de 1979–1980, na época coordenador do instituto fundado por Swami Kuvalayananda e considerado um dos primeiros incentivadores do “yoga científico” e discípulo direto do Swami. Ravi, inclusive, foi responsável por trazer o Prof. Gharote diversas vezes ao Brasil em seus próprios cursos de formação de professores de yoga.

Em 1981, começou a lecionar yoga no campus da USP e se mantém lá até hoje (2015). Em 1996, inaugurou o seu próprio curso de formação com chancela universitária. Conseguiu incentivar os estudos científicos do yoga, por isso possui entre os seus alunos/discípulos, muitos com formação acadêmica superior — inclusive ele mesmo possui mestrado em Neurologia. Ravi e seus formados incentivam o yoga e as suas práticas a serem investigadas como forma terapêutica no Brasil. Além dos cursos de formação que promove, organiza retiros, palestras e viagens periódicas à Índia, mas também, recentemente, ao Japão com uma importante líder do zen-budismo brasileiro. Possui, devido à sua formação e fidelização apenas a Kuvalayananda, forte tendência tradicionalista.

Yogue Centurion

De origem espírita, teve fortes experiências do curandeirismo por parte dos seus avós. Ele se considera um “cristomaníaco” e possui tatuado em suas costas a figura do anjo São Gabriel, com quem diz conseguir se comunicar e pedir aconselhamentos. Nasceu em 1965 e, com 25 anos (1980), descobriu o yoga com um professor da tradição de Iyengar no Brasil, em reuniões de uma organização de estudos esotéricos em São Paulo da qual fazia parte. Foi aluno de DeRose por um ano, mas depois decidiu se aprofundar mais no yoga e viajou para Índia por quase dois anos. Foi quando aprendeu a yogaterapia e a medicina ayurveda pela tradição da Bihar School, do Swami Satyananda — discípulo de Sivananda. Ainda na Índia, conhece o yogue Pattabhi Jois, idealizador de um dos métodos de yoga mais conhecidos e difundidos no ocidente, o Asthanga Vinyasa Yoga.

Foi o primeiro professor representante brasileiro desta tradição yoguica e se tornou bastante popular por lecionar para artistas nacionais, possuindo, inclusive, DVDs de ensino deste método. Após um incidente ocorrido em um dos seus retiros no ano de 2008, foi praticamente banido pela comunidade yoguica, mas mantém o seu ashram em funcionamento em São Paulo. Enquanto atuava com maior autoridade no microuniverso do yoga brasileiro, formou muitos professores do método de P. Jois no país, além de possuir escolas de yoga, promover palestras e retiros de yoga. Por seu sincretismo com a figura de Jesus Cristo, São Miguel e o espiritismo é considerado aqui como hibridista.

Yogue Vishnu

Nascido em Campinas, cidade do interior de São Paulo, conheceu o yoga por intermédio de sua mãe que já praticava através dos livros do Prof. Hermógenes em casa, durante a década de 1980. Em 1990, com 18 anos, foi estudar nos Estados Unidos e se graduou no equivalente ao curso de Educação Física, e continuou no exterior trabalhando em algumas cidades desse país e na Espanha com treinamento desportivo e yoga. Nesse período, entrou em contato com outros métodos de yoga moderno, como o Power Yoga, e se aperfeiçoou nele. Em 1994, ainda nos Estados Unidos, diz ter “sentido um chamado” de voltar ao Brasil para disseminar o conhecimento do yoga. Estabelecendo-se na cidade de Florianópolis, percebe o yoga brasileiro, segundo ele “respirando dois ambientes: ou se era Hermógenes ou DeRose”. Depois de praticar alguns meses no método Swásthya Yôga, de DeRose, diz ter sido hostilizado pelo professor que o ensinava em Florianópolis e saiu. Decidiu então, abrir a sua própria escola de yoga na cidade e é o primeiro professor de Power Yoga no Brasil. Conta que ensinava “Yoga Fitness”, divertindo-se hoje com o nome que inventou na época.

A partir dos anos de 2000, enveredou por um trabalho bem mais sincrético espiritualmente no intuito de proteger-se dos rótulos e denominações diferentes de yoga no país, mas também para fugir das comparações de praticar e ensinar um yoga “americanizado”, o Power Yoga. Nesse mesmo projeto, além dos cursos de formação, retiros, workshops com temas bastante ecléticos que sincretizam Jesus, xamanismo brasileiro com ensinamentos do Bhagavad Gita, lançou CDs e DVDs de encontros musicais ecumênicos de mantras e canções de comunhão espiritual. Viaja anualmente para Índia e outros locais como Machu Picchu e os Andes, promovendo encontros xamânicos com o yoga. Sua vertente é claramente híbrida e se tornou um dos yogues mais conhecidos no Brasil dessa vertente atualmente (2015).

Yogue Ganesh

Conheceu o yoga na juventude no Uruguai, seu país natal. Estabeleceu-se no Brasil como um dos principais formados de DeRose. Depois de mais de dez anos praticando e promovendo o Swásthya Yôga rompe com DeRose por divergências doutrinais. Essa ruptura gera insultos entre ambos e até hoje (2015) é fruto de discussões e ofensas. Anos mais tarde se filiou ao estilo yoguico do mestre Pattabhi Jois, e se tornou divulgador e praticante do Asthanga Vinyasa Yoga, que abandonou anos depois, novamente por não acreditar mais na proposta e objetivo espiritual dessa tradição de yoga. Há alguns anos se aprofunda nos ensinamentos vedantinos do guru indiano Swami Dayananda Saraswati. O Swami Dayananda Ashram é um centro de estudos do Vedanta Advaita de Shankara e sânscrito estabelecido na Índia desde os anos de 1960. Dayananda e seus discípulos, como uma interpretação mais voltada para os problemas contemporâneos do mundo através dos textos clássicos hinduístas, promovem retiros e cursos de yoga, sânscrito e vedanta para indianos, mas especialmente a alunos não-indianos[2].

Ganesh produz cursos de formação em yoga e viaja às principais cidades brasileiras e algumas da Europa, promovendo o yoga e seu guru. Além disso, guia pessoas anualmente (em geral, os novos professores de yoga que forma) em peregrinação ao ashram do seu mestre e a outras cidades da Índia no intuito, como todos os mentores do yoga brasileiro, de difundir e conservar a tradição do yoga que professa. Seu posicionamento a favor do tradicionalismo do yoga é o mais evidente dentre todos os entrevistados, assumindo, muitas vezes, uma ortodoxia mais forte do que seu antigo mentor, o DeRose. Atualmente (2018), pela onda crescente do tradicionalismo no yoga brasileiro, Ganesh (para este pequeno grupo mais ortodoxo) não é considerado assim tão tradicional mais. Não obstante, comparado ao ideal híbrido aqui empregado, continua sendo um tradicionalista.

Yogue Bento

Era um empresário bem-sucedido do ramo da telefonia com mais de 500 funcionários, mas cansou do ritmo da sua vida acelerada de executivo e trocou tudo pela espiritualidade do yoga. Começou como aluno em uma das unidades do Swásthya Yôga de DeRose. Formou-se professor de yoga com os mentores Ravi e Visnhu, comentados acima. Após as formações, decidiu comprar uma escola de yoga em São Paulo e ingressou em uma viagem por quase dois meses à Índia, com um renomado professor de yoga do método Iyengar. Durante a viagem diz ter sofrido uma profunda angústia e pensou que iria morrer; foi quando obteve uma “revelação aos pés do Himalaia” que mudou a sua vida. O conteúdo da revelação girava em torno da pergunta: “por que os professores e mentores que conheceu no Brasil não eram boas pessoas?”. Percebeu que o yoga que ensinavam e praticavam não estava funcionando a elas e, obviamente, também não funcionaria para os alunos que formavam. Assim, decidiu montar o seu próprio curso de formação para professores de yoga, organizar viagens à Índia e promover cursos, workshops e sat sanghas para difundir o yoga. No mesmo período fundou uma Organização Não-Governamental, a Ser Humano Sem Fronteiras.

Possui, ao contrário de todos os outros entrevistados, um guia espiritual católico — e não indiano —, Dom Alexandre, seu mentor. Dom Alexandre ministra cursos e orienta leigos e religiosos na meditação cristã da Igreja de São Bento em São Paulo. Foi na mesma igreja, que nosso yogue aqui entrevistado encontrou acalento no sacerdote católico que ofereceu encaminhamento espiritual a ele, e nunca mais interrompeu. Sua linha de disseminação do yoga é obviamente plural, sincrética e, portanto, híbrida. Atualmente (2018) largou tudo referido ao yoga em sua vida e dedica-se profissionalmente e espiritualmente a outros caminhos.

Yogue Shanti

Iniciou-se no yoga aos 14 anos na cidade de Florianópolis (1987) e considera-se uma “buscadora espiritual”. Foi aluna e professora do método de DeRose por muitos anos, quando se desentendeu por discordâncias doutrinais, assim como Ganesh. Morou na Europa por quase dois anos e conheceu novas escolas de yoga em sua estada. Quando viajou pela Índia por seis meses se interessou pelo yoga de Satyananda, discípulo de Sivananda, e foi se aprofundar na Bihar School, conhecida por mesclar o conhecimento do yoga com princípios da biomedicina Ocidental e da medicina ayurveda, assim como Centurion. Por intermédio de Ganesh, conheceu o Asthanga Vinyasa Yoga e, até recentemente (2016), dedicou-se ao ensino e formação de outros yogues nesse método. Após uma formação de yoga no estado da Califórnia, nos Estados Unidos, conhecido reduto de fomentação de novos métodos de yoga, tomou conhecimento de uma formação em Asthanga Vinyasa Yoga promovido pelo sistema de ensino yoguico It’s Yoga. Após essa formação, segundo ela, conheceu, em Bali, Indonésia, a sua mentora (não mencionada o nome, mas que acreditamos ser a yogue Dorothy Divack) a qual a lhe orienta até hoje.

Há alguns anos (2015) foi acometida de um linfoma que mudou drasticamente a sua vida, a sua prática de yoga e forma de viver. O estilo de yoga Asthanga é bastante vigoroso fisicamente, desta forma, com o câncer e o tratamento medicamentoso, Shanti precisou diminuir o ritmo de sua prática corporal e, consequentemente, rever o seu yoga espiritualmente também. Frente a esses fatos, e aconselhada por outros amigos yogues, se voltou aos ensinamentos yogaterapêuticos do Prof. Hermógenes e encontrou consolo espiritual em suas obras. Assim, de tradicionalista vem ressignificando a sua prática pessoal, discurso em suas formações, retiros e viagens à Índia que organiza para uma vertente se aproximando do sincretismo, portanto, do yoga mais híbrido de Hermógenes.

Yogue Hermes

Iniciou-se no yoga quando criança com a mãe, professora de yoga formada pelo método de DeRose. No entanto, foi com os livros do Prof. Hermógenes que travou primeiro contato literário com a doutrina do yoga. Hermes, aos 16 anos, iniciou a sua formação nas escolas de yoga que DeRose coordenava no Rio de Janeiro na década de 1980, onde se destaca como professor de yoga da metodologia de DeRose. Depois de anos como professor do Swásthya, rompeu com DeRose e iniciou caminhada própria no microuniverso do yoga brasileiro, abrindo escola, organizando formações, palestras e apresentações de método próprio em desenvolvimento. Nesse ínterim, mudou-se para São Paulo, lançou livros e ganhou notoriedade em âmbito nacional como mentor do yoga no Brasil. Atualmente organiza seus próprios cursos de formação e venda de produtos de yoga.

Assim como outros dissidentes de DeRose, Hermes verte por um yoga mais tradicionalista do que híbrido. Durante as entrevistas, por exemplo, apesar de ser grato pela contribuição do Prof. Hermógenes, não vê com bons olhos o sincretismo do yoga com o cristianismo e a terapia biomédica, acreditando que haverá um dia em que todos saberão das “deformações” que se fez com o hatha-yoga no Ocidente. Perspectiva da realidade que corrobora com o pensamento ortodoxo do yoga.

Yogue Rudá

Estabeleceu contato com o yoga pela primeira vez com a mãe. Segundo ele, durante o processo depressivo dela, o pai de Rudá a presenteou com um livro de yoga do Prof. Hermógenes, na ânsia de resgatá-la desse quadro enfermo. Anos mais tarde, Rudá e a mãe ingressam no curso de formação do Prof. Cláudio Duarte em São Paulo, declarado opositor do método de DeRose. O Prof. Cláudio Duarte foi um conhecido yogue brasileiro, que nos anos de introdução do yoga no Brasil (de 1970–1980), travou dissensões com a autoridade de DeRose. A contenda ficou conhecida pelas grafias que a palavra yoga deveria tomar no Brasil. Por isso, C. Duarte sempre grafou “yóga”, justamente para diferenciar-se ideologicamente da forma “yôga” que DeRose adotou. Hermógenes, herda essa diferença ideológica e, mesmo não grafando o acento agudo de “yóga”, pronuncia a palavra yoga com a vogal “o” aberta, como se houvesse um acento. Parece tola, mas essa disputa simboliza posições opostas entre o que denomino de yogues “híbridos” (legatários de Duarte e Hermógenes) e “tradicionalistas” (herdeiros de DeRose). O que nos interessa aqui, no momento, é ter o conhecimento de que Rudá participou e vivenciou muito dessa contenda, assim como todos os mentores de yoga brasileiros mencionados.

Após formar-se em Educação Física em 1998, Rudá iniciou outra formação, mas agora com Centurion, citado acima, no método do Asthanga Vinyasa Yoga. A sua formação acadêmica em Educação Física e vivência entre o meio yoguico brasileiro, o capacitou a ser convidado a ministrar o yoga como disciplina de graduação em uma universidade paulista. Participou integralmente da idealização de uma formação para professores de yoga e, mesmo não desenvolvendo peregrinações periódicas a locais “sagrados”, como seus colegas, a posição de formador de professores de yoga com a chancela acadêmica, algo realizado apenas por Ravi e DeRose nos anos passados, o autorizaram a ser denominado aqui como um mentor em andamento de sua própria metodologia de ensino espiritual. Por sua vivência mais abrangente, ensina e professa o yoga híbrido. Atualmente trabalha no crescimento de sua própria escola de vertente do Asthanga Vinyasa Yoga.

Cientista Andurá

O cientista Andurá conheceu o yoga e a meditação através das artes marciais ainda jovem. Segundo ele, fez e conheceu as mais diversas práticas meditativas, mas as considerava “muito místicas”. Quando convidado pela Universidade Federal de São Paulo para o seu doutorado, enveredou na discussão das benéficas repercussões da meditação para gestantes. Em 1994, a sua tese teve uma ótima recepção da comunidade acadêmica internacional pela definição operacional que concebe para a meditação. Atualmente ainda atua como pesquisador, mas a sua principal ocupação está voltada para os cursos que produz e ministra para a formação de facilitadores em meditação e saúde.

Como veremos, o posicionamento de Andurá em relação aos mentores do yoga brasileiro chega a ultrapassar em alguns momentos os limites do que a ciência está autorizada a discutir com a teologia de qualquer que seja a espiritualidade. Sua figura, no entanto, em alguns núcleos yoguicos é valorizada, enquanto é invalidada em outros. As suas definições sobre os estados e práticas meditativas/yoguicas podem chegar a desautorizar discursos yoguicos alheios.

Cientista Osíris

A cientista Osíris conheceu a meditação/yoga através da vida como desportista nas artes marciais. Sua graduação em biologia e depois os anos do mestrado (1999), doutorado (2002) e pós-doutorado (2012) pelas melhores universidades de São Paulo, a autorizaram a ser considerada uma das mais importantes pesquisadoras na área de meditação no país.

Atualmente (2015), é professora afiliada do departamento de Psicobiologia da Universidade de São Paulo e as suas principais pesquisas abordam a neurofisiologia de estados de consciência, meditação através da neuroimagem funcional e a avaliação de intervenções que envolvem treinamento de habilidades cognitivas e comportamentais por meio de práticas meditativas. Está hoje também bastante envolvida com o Instituto Palas Athena de São Paulo que divulga, entre outros assuntos, a vinda do Dalai Lama ao Brasil e outros cientistas e monges que investigam práticas espirituais de contemplação[3].

Cientista William

Aprendeu as práticas de yoga e meditação ainda adolescente com o seu pai em São Paulo. Graduado em Educação Física, deu continuidade à vida acadêmica com mestrado em Farmacologia e doutorado investigando o yoga como uso terapêutico, ambos pela Universidade Federal de São Paulo.

Praticando yoga, aprendeu uma espiritualidade muito mais medicinal do que vedântica, pois o seu professor, na época, era bastante inspirado nas obras do Prof. Hermógenes. Já adulto, resolveu ingressar em uma formação para professores de yoga com Ravi, no “yoga científico”. Ministrou aulas de yoga na rede pública da cidade de Santos/SP, mas depois abandonou e segue a vida como professor acadêmico até hoje (2018). Seu doutorado concorreu a prêmios nacionais de revelação acadêmica e possui artigos publicados em revistas internacionais e brasileiras.

Questões de aproximação

A partir da análise das sete questões pré-elaboradas iniciais (1. Trajetória de vida; 2. Relaxamento; 3. Hinduísmo; 4. Ecumenismo; 5. Yoga, religião e influências espirituais; 6. Ciência; e 7. Klesas, estresse e obstáculos espirituais), agrupei os comentários em três subseções que seguem:

  • Yoga, hinduísmo e a ciência biomédica

  • Dialética klesas e estresse

  • Surgimento dos cientistas-yogues como novos atores no campo espiritual yoguico;

  • Diferenciação entre Estado e Técnica ou Método de yoga;

Analisaremos a partir de agora trechos das entrevistas, tanto com yogues quanto com cientistas brasileiros. O intuito está em apresentar, por meio delas, possíveis novas narrativas religiosas que o yoga, em contato com a cultura e espiritualidade brasileira, vem erigindo modernamente.

E quando nos referimos a “novas narrativas”, não significa afirmar que tudo mudou sobre as escrituras yoguicas antigas, mas que elas estão sendo adaptadas e ressignificadas à luz de novos problemas; expressa também entender que os bens de libertação espiritual yoguicos (Klesas, Samadhi e Kaivalya) continuam vivos, mas quando envolvidos na cultura global moderna, se inovam e se readequam para continuar fazendo sentido na estrutura social, política, econômica e religiosa quando o yoga é transplantando para um novo contexto.

Yoga, hinduísmo e a ciência biomédica

Um dos primeiros pontos que percebemos em campo está na desvinculação gradual que o yoga vem estabelecendo com a religiosidade hinduísta. Isso é deveras relevante, pois demonstra que o hinduísmo parece não mais dispor de força legitimadora para alguns setores do yoga moderno; percebo que a ciência biomédica vem ocupando esse papel.

Centurion: O yoga sempre esteve desvinculado do hinduísmo enquanto religião.

Vishnu: O yoga está desvinculado do hinduísmo modernamente.

Ravi: A imbricação do yoga com as religiões é algo ruim para ele. É um erro achar que juntar duas religiões pode gerar uma terceira melhor. Não acho correto rezar o Pai-Nosso no yoga. Cada religião deve manter as suas concepções restritas ao seu próprio contexto religioso. Não preciso do Hinduísmo para praticar o yoga. Mesmo que o yoga peça alguma divindade a quem entregar-se; Isvara é o Deus pessoal e você o compõe. A ciência corrobora com o yoga. Prana não é científico porque a ciência ainda não conseguiu provar. É uma questão de tempo.

E, por último, duas falas que ilustram bem a influência do discurso científico sobre a comunidade yoguica brasileira:

Osiris (cientista): Yoga é para redução de estresse. A resposta do estresse salva vidas. Mas na cultura do yoga o estresse atinge o status de ser melhor manejado. Os yogues buscam diminuir o estresse, aumentar o bem-estar e ser alguém melhor. Não ser tão afetável pela sociedade moderna, de consumo e estressada, é um dos grandes objetivos dos yogues com quem convivo e estudo. (…) As posturas do yoga podem diminuir as aflições mentais e conduzir ao relaxamento. Nunca vi ninguém meditar sem relaxar, é a primeira fase da meditação. (…) O yoga tem uma vertente “terapia”, sim. Yoga é instrumento antiestresse pela maioria das pessoas. para se ter ideia, uma pesquisa recente [2012] com habitantes da cidade de São Paulo, indicou que 20% da população é afetada por desordens mentais de ansiedade. O yoga e a meditação dispõem de meios concretos e de baixo custo para amenizar o sofrimento de muita gente.[4]

Shanti (yogue): O encontro do yoga com a ciência foi excelente para o yoga.O yoga produz saúde. A ciência afasta a mística do yoga. A ciência provocou uma certeza inabalável em minhas crenças.

A ciência, contraditoriamente à tese do desencantamento do mundo, se mostra como um importante canal proselitista e legitimador do yoga moderno (ALTER, 2004). Essa abertura à Ciência na investigação biológica das técnicas do yoga acarretou inovações singulares da transfisiologia cosmológica yoguica e, como não poderia deixar de ser, da compreensão das causas do mal – os klesas.

Dialética klesas e estresse

Essa relação em rompimento com o hinduísmo e flerte com a Ciência parece corroborar com a ideia da ressignificação contida dos comportamentos dos klesas (Apego, Aversão, Medo da Morte e Orgulho, frutos da Ignorância)[5]. Mais do que uma preocupação moral contida nos klesas, os yogues modernos parecem visar arrefecer o estresse com empecilho à transcendência.

Hermes: O estresse impede a [experiência do] samadhi. (…) No yoga moderno o estresse ocupa um lugar que não fazia parte do yoga antigo, que ele está revelando. A diminuição do estresse físico tem uma correlação direta com moksa [equivalente a kaivalya].

Bento: O estresse impede o Estado de yoga. Tem o estresse controlado, que às vezes é necessário, mas tem o estresse que é um realmente um obstáculo (…) o método [de yoga dele] abaixa o estresse-obstáculo e assim, auxilia-nos a atingir o Estado [de yoga].

Shanti: O estresse nos afasta, nos desconecta [do estado de yoga]. E é o Estado de yoga que abaixa o estresse. Ele acalma a mente, aterra… e assim, nos ajuda a conectar novamente.

Rudá: O yoga diminui a agitação, o estresse e a ansiedade da minha vida, ao mesmo tempo o yoga me dá energia, me tira de um estado torpor e me deixa no estado de yoga. O estresse me desconecta e me faz sair do estado de yoga… a união. A respiração [pranayama] me traz para o aqui e agora e diminui os meus vrttis [causador da agitação mental advindo dos Klesas] e meu estresse.

Ganesh: O estresse existe, mas não tem razão de se deixar manifestá-lo físico e mentalmente, pois o estresse é fruto da ignorância de não se perceber dentro de uma ordem [cósmica]. Todos nós somos parte dela. A causa do sofrimento humano está em não se compreender que você não é o papel que ocupa [na sociedade ou família]. O yoga lhe dá a possibilidade de você perceber-se algo que você já é, mas que você não percebe plenamente.

DeRose: o estresse impede o samadhi.

Essa transformação dos klesas, de caráter moral e de observância comportamental, em manifestação transfisiológica de um estresse yoguico marca não apenas uma inovação teológica que, de certo modo, parece corporificar um conceito moral do yoga, mas corrobora também com a nítida influência da fisiologia científica nas escrituras modernas do yoga, assim como da ideologia nova erista.

Surgimento dos cientistas-yogues como novos atores no campo espiritual yoguico

A desvinculação religiosa com o hinduísmo e a proximidade com a Ciência, além de influenciar ressignificações simbólicas em suas escrituras e transformações em sua cosmologia, atenuou a membrana que separa os yogues dos cientistas. Nunca houve tanto interesse da biomedicina em investigar práticas espirituais como as do yoga nestas últimas décadas: meditação, asanas, pranayamas e kriyas renderam um grande número de papers acadêmicos, teses de doutorado e comunicações em congressos. Esse diálogo Yoga-Ciência estimulou cientistas a conhecerem, praticarem e investigarem o yoga e a meditação com fins medicinais, mas também como “filosofia de vida” e possível transformação social.

Muitos cientistas, a partir de suas próprias experiências pessoais com o yoga (a partir — ou por meio — da demonstração empírica da fisiologia biomédica) adentraram no campo do yoga como novos agentes espirituais (conscientes ou não). Não é preciso citar todos os cientistas-gurus existentes hoje em dia competindo com mestres de yoga: Deepak Chopra, Amit Goswami, Allan Watts, Susan Andrews só para ficar entre os mais conhecidos. Eu classifiquei esses novos atores sociais do microuniverso religioso yoguico moderno, como já adiantei, de cientistas-gurus ou yogues-cientistas.

Um dos cientistas entrevistados apóia nossas afirmações quando argumenta que os yogues brasileiros não compreenderam muito bem o que Patanjali quis dizer em seus sutras.

Andurá (cientista): Não podemos confundir o Estado de Dhyana [experiência da meditação propriamente dita] com o Método de Dhyana [tipo de prática meditativa]. Com isso, perdemos a essência dos sutras de Patanjali [escritura espiritual seminal do yoga]. Ninguém mais sabe o que ele [Patanjali, figura semi-mítica] quis dizer. Eles [os yogues] não aceitaram a minha definição operacional de meditação [acadêmica, portanto, “legítima” por natureza]. Para eles [yogues brasileiros], não existe prática de Dhyana, é só Estado, e isso é um erro. A prática meditativa não é sagrada do ponto de vista mental.

A centralidade argumentativa desse cientista não está na desmistificação do yoga e/ou interpretação dos resultados de suas práticas apenas como terapias de baixo custo (como os cientistas que investigam as práticas yoguicas normalmente se posicionam), mas, possivelmente, em desautorizar o discurso dos mentores e professores do yoga. Quando o cientista Andurá afirma que os yogues não sabem o que Patanjali quis dizer, se posiciona como detentor desse saber, e participante do microuniverso espiritual do yoga como um novo agente social.

Diferenciação entre Estado e Técnica ou Método de yoga

Durante a investigação de campo não havia o intuito em identificar qualquer diferenciação conceitual, não obstante, foi possível registrar e incorporar esses achados nas argumentações. Um dado que ficou evidente desde o início das entrevistas entre todos os yogues, foi a diferença sendo estabelecida entre Estado/Experiência e Técnica/Método de yoga. Mesmo entre os yogues que possuíam contendas entre suas escolas, linhagens e/ou tradições de pensamentos, a diferenciação entre estado e técnica de yoga ecoava em uníssono.

Hermes: O estresse impede a [experiência do] samadhi.

Bento: O estresse impede o Estado de yoga. Tem o estresse controlado, que às vezes é necessário, mas tem o estresse que é realmente um obstáculo (…) o método [de yoga dele] abaixa o estresse-obstáculo e assim, auxilia-nos a atingir o Estado [de yoga].

Shanti: O estresse nos afasta, nos desconecta [do estado de yoga]. E é o Estado de yoga que abaixa o estresse. Ele acalma a mente, aterra… e assim, nos ajuda a conectar novamente.

Rudá: O yoga diminui a agitação, o estresse e a ansiedade da minha vida, ao mesmo tempo o yoga me dá energia, me tira de um estado torpor e me deixa no estado de yoga. O estresse me desconecta e me faz sair do estado de yoga… a união. A respiração [pranayama] me traz para o aqui e agora e diminui os meus vrttis [causador da agitação mental advindo dos Klesas] e meu estresse. (…) Não consigo pensar na prática do yoga sem o relaxamento que ela produz. O estresse me desconecta e me faz sair do estado de yoga, de união.

Em nenhuma escritura antiga há menção a essa divisão entre técnica e estado de yoga. Na verdade, toda técnica yoguica levaria a um estado de yoga. Algo se modificara do yoga indiano ao yoga brasileiro. O “estado” ao qual os yogues reiteradamente se referiam, de diferentes linhagens e escolas de yoga no Brasil, parecia aludir a uma “experiência” que, obrigatoriamente, transcendia a materialidade empirista da Ciência. Achei lícito supor o “estado de yoga” e o samadhi poderiam estar em dialética. Assim como o estresse-yoguico — empecilho ao Estado/Samadhi — também deveria interagir nessa inovação soteriológica.

Assim, essa diferenciação revelada pode demonstrar que não é qualquer técnica ou método de yoga que esteja “autorizada” a conduz à transcendência e vislumbre da Verdade/Isvara/Deus entre os brasileiros, mas aquelas (técnicas contidas em um método específico), que agem na extinção do estresse-yoguico, seriam as únicas possíveis de se alcançar a Verdade. Como explicitou muito bem o yogue Bento, enquanto a Prática ou o Método de yoga vem se configurando como um sistema de atos corporais — facilmente verificadas as suas repercussões fisiológicas científicas—, o Estado de yoga é singular e impossível de ser acessado por não-yogues (leigos).

Concluímos que qualquer um não-iniciado no yoga que se aventurasse a desvendar os estados do yoga, obrigatoriamente, precisaria se despedir do materialismo-científico e mergulhar na espiritualidade yoguica – o que S. Kierkegaard vai chamar de Fé – e, devido a isso (a necessidade da Fé), ser iniciado nas práticas e vivências yoguicas por um professor de yoga qualificado, é imprescindível.

Rudá: Vivemos em um mundo que precisamos de comprovações científicas, mas se as pessoas não experienciarem o Estado de relaxamento espiritual do yoga, não haverá mudança de estar presente. O entrosamento do yoga com a Ciência é necessário.

Ravi: A Ciência precisa da espiritualidade para comprovar seus dados, não é o yoga que necessita dela. A ciência reconhece a espiritualidade para a cura de doenças.

Centurion: O estresse é uma crença científica. Ele na verdade não existe [sic], mas o yoga pode eliminar essa crença.

Shanti: [O yoga] É estar presente. Agir e não reagir. O yogue deve transpirar e transbordar yoga. O yoga deve se transformar em conhecimento. Não preciso ser nada para ser yogue. Só preciso praticar. (…) Não precisa ter fé no yoga, é fazer e vem a sensação.

Essa distinção entre Estado/”Experiência” e Técnica/Método de yoga aparece como uma readequação teológica interessante, pois foi erigida pelos yogues modernos com o intuito de delimitar seu espaço de atuação espiritual frente ao avanço da laicização científica. Em outras palavras, um cientista que pretender secularizar o yoga (eliminar a sua transcendentalidade), conseguirá apenas fazê-lo sobre as “técnicas”, mas nunca sobre o “estado” de yoga – reservado apenas aos mentores e professores de yoga.

Sistematização teórica da transplantação do yoga para o Brasil a partir das questões de aproximação

Aqui é necessário estabelecer um fio condutor que conjugue o yoga indiano, seus transplantes e inovações nas sociedades privatizadas religiosamente da Europa e dos Estados Unidos, e depois à sua chegada tardia na América Latina. Esse fio condutor teórico é fundamental para dialogar com outros cientistas que também pesquisam situações semelhantes de transplante ou nacionalização de religiões de sua cultura natal para outras.

É justo supor que transformações teológicas evidentes ocorreram no contato do yoga com a cultura brasileira. Mas como compreender essas transformações? Na busca teórica para compreender essas descobertas levantadas em campo, me amparo na adaptação da sistematização de transplante religioso do pesquisador Matheus da Costa (DA COSTA, 2015, p.148–212). O autor parte do material investigativo de Michael Pye (1969), mas também nos estudos sobre o que ele denominou de dinâmicas da religião e refinamentos sobre transplantação religiosa de Martin Baumann (1994) e Rafael Shoji (2002). O objetivo está em compreender, identificar e classificar as variantes de novos encontros culturais e, a partir disso, entender a dialética entre atitudes adaptativas e conservadoras no processo de migração de religiões. Podemos supor, assim, o cruzamento dos dados apresentados neste capítulo com as fases estabelecidas neste modelo de sistematização teórica.

As fases estabelecidas neste modelo obedecem a sete modos processuais: 1) pré-transplantação, 2) contato, 3) comparações, 4) ambiguidades, 5) recuperações, 6) inovações e 7) reenquadramento das inovações; sendo que cada uma dessas fases se subdivide em 3 fatores: a) externos, b) cultural-religiosos e c) de representação social. Para deixar o texto mais fluido, não dividirei os três fatores em subitens.

E, por último, mesmo cientes da problematização de se tentar “encaixar” o mesmo modelo teórico a diferentes grupos sociais, acredito que seja útil para compreender os levantamentos de dados coletados em campo por meio das entrevistas que realizei. Mesmo que no futuro seja necessário readequar a teoria aqui utilizada, entendo que um modelo teórico, antes de ser refutado, necessita ser aplicado.

1. Fase pré-transplantação do yoga no Brasil

Esta fase pode ser compreendida a partir do período histórico moderno do yoga. É ainda por volta de 1890, na Índia colônia da Inglaterra, que se faz o ponto zero da fase de transplantação do yoga para outras culturas. Enquanto a Índia-britânica inicia o processo de luta por sua independência, o retorno de indianos mais abastados financeiramente, que saíram de seu país para estudar na Europa, provoca uma percepção contrastante da cultura indiana deles com a de outros países em que viveram. A Índia que estes intelectuais vão conduzir seu país passará por um processo sociopolítico e religioso que os historiadores indianos cunharão de Renascença Indiana. Esse período histórico da Índia promove grandes mudanças sociais, políticas e religiosas, e o yogas e transforma agora em símbolo nacionalista de uma Índia em vistas da sua independência, e suas práticas e repercussões positivas à saúde se evidenciam.

Em 1924, as primeiras pesquisas científicas realizadas com yogues são propostas pelos próprios indianos (Swami Kuvalayananda é um exemplo), no intuito de valorizar sua cultura e mostrar ao mundo a “veracidade” do yoga por meio do método científico — ou seja, racional e lógico aos padrões de quem os colonizava — e não mais das escrituras “míticas” hinduístas, como seu isso desvalorizasse o conhecimento adquirido. No Brasil, por outro lado, o quadro social em que vivíamos na fase histórica pré-transplantação do yoga no Brasil é de repressão devido ao governo militar, com torturas, exílios e alienação política. O Brasil era fortemente influenciado pela ideologia Positivista que refletia em uma medicina que tentava desmistificar as tratas populares como a indígena e a de outras religiões de caráter terapêutico, como a do espiritismo, o das religiões afro-brasileiras, assim como o início das curas milagrosas advindas das recentes igrejas neopentecostais.

2. Contato

O primeiro contato do yoga no país encontra os brasileiros não via mestres yogues indianos, mas por intermédio de esotéricos europeus pertencentes à Maçonaria, Rosa-Cruz, Teosofia e outros. É por mediação de um general e outro capitão do exército brasileiro que o yoga foi apresentado aos brasileiros desta primeira fase histórica. Das mãos de um deles em específico, Prof. Hermógenes como ficou conhecido, o yoga no Brasil ganha caráter terapêutico e se dissemina como tratamento/cura para “nervosos”, como ele mesmo denomina (HÉRMOGENES, 2011). Sem dúvida, a aproximação que presenciamos entre os klesas com o estresse no yoga é impulsionado no Brasil na tradução e comentários do Prof. Hermógenes.

Portanto, a primeira aproximação das práticas yoguicas com remissão de doenças é o viés mais evidente no Brasil. Credito essa veia proselitista de maior alcance do yoga entre os brasileiros às religiões em crescimento no Brasil com o mesmo caráter de cura e terapia espirituais. O yoga como espiritualidade de cura foi a sua face mais bem-aceita no Brasil— até porque é a mesma característica da pajelança, dos orixás do candomblé e, depois, da umbanda, das curas e dos passes energéticos do espiritismo kardecista brasileiro e das desobsessões neopentecostais atualmente.

A vertente mais “ortodoxa”, de um yoga calcado na pronúncia e grafia correta do sânscrito e na espiritualidade védica, por exemplo, não se populariza nesse primeiro momento histórico (perspectiva essa defendida por outro personagem entre os anos de 1960-2000, Mestre DeRose). Com o Prof. Hermógenes, o yoga no Brasil se dissemina emprestando os conceitos espirituais do yoga, mas traduzidos pelo catolicismo popular e pelo espiritismo. Entretanto, Hermógenes e DeRose possuíram o autodidatismo como algo em comum. O yoga, legitimado por mestres indianos, só viria a acontecer décadas depois entre os brasileiros – a partir dos anos 2000. Por isso a desvinculação do hinduísmo com o yoga no Brasil possuir suas raízes, como podemos presenciar, logo em seu início. Assim, o yoga entra em contato com os brasileiros sem a legitimação da tradição religiosa hinduísta. Esse fato, como veremos, repercutirá na associação do yoga com a ciência biomédica.

3. Comparações

As primeiras comparações entre o yoga praticado e ensinado no Brasil com o indiano ocorre quase 25 anos depois de sua chegada no país – por volta dos anos de 1970-80. Este segundo momento sócio-histórico ainda não é assinalado pela vinda de mestres indianos em terras latino-americanas, mas da partida de yogues brasileiros (já professores e de yoga no país) para a Índia. Esse encontro é definidor de rompimentos e contendas que persistem até hoje (2018). A comparação mais marcante que dividiu os professores de yoga brasileiros ficou a cargo da contenda entre o yogaterapia híbrido de Hermógenes, e o yoga para alta performace elitista de DeRose.

O yoga hermogeano é marcado pelo forte apelo terapêutico e cristão-espírita. Suas traduções dos ensinamentos yoguicos são sincretizadas com parábolas de Jesus Cristo (que para ele foi um yogue) e a divindade Krishna. Em uma de suas incursões à Índia, para conhecer o yoga na sua fonte, se aproxima do yogue Satya Sai Baba, bastante conhecido por seus milagres curativos e materializações, transformando-se em seu devoto e divulgador na língua portuguesa. O yoga deroseano, por outro lado, é avesso (propositadamente?) à yogaterapia hermogeana. DeRose conhecido por descrever em autobiografia que recebera todo o conhecimento do método que divulga (Swásthya Yôga) por intermédio de um espírito indiano desencarnado. Esse yoga seria pré-védico, ou seja, de um yoga praticado na Índia antes da chegada da cultura bramânica, portanto, “original” — ao menos entre seus seguidores e a essa versão da história indiana.

4. Ambiguidades

Fica evidente no yoga brasileiro uma maior desvinculação com a religiosidade hinduísta do que em outros países em que ele também fora transplantado — como no caso britânico, em que o yoga possui forte influência bramânica, ou nos Estados Unidos, onde os mestres de yoga indianos desembarcaram pessoalmente e erigiram seus próprios ashrams, sem intermediários e com claras perspectivas missionárias[6]. Entre os brasileiros, pelo contrário, a legitimação das práticas yoguicas ficou a cargo do esoterismo em seu primeiro momento histórico, mas depois pela ciência biomédica e sua fisiologia que investigou as práticas de yoga para arrefecer o estresse e, consequentemente, a promoção da saúde via relaxamento, que as pesquisas científicas revelam ainda hoje (2018) (SIMÕES, 2018).

Uma das ambiguidades mais evidentes vem da Ciência biomédica que acaba legitimando as práticas do yoga como “verdade” por meio de suas pesquisas que atestam os benefícios de suas práticas com poderes de cura. Talvez por decorrência dessa aproximação, o yoga como espiritualidade-terapêutica, idêntico a outras religiões no país, teceu maior identidade à aproximação com a cultura brasileira. Além disso, muitos cientistas que investigaram o yoga como via terapêutica são adeptos de alguma escola/linhagem de yoga/meditação, o que promulga ainda mais a yogaterapia no Brasil. É nessa fase de ambiguidades que percebemos, pelo levantamento em campo registrado, o surgir dos cientistas-yogues ou cientistas-meditadores como novos agentes espirituais no campo yoguico brasileiro.

5. Recuperações

O surgimento dos cientistas-yogues e a preocupação de alguns mentores de yoga na perda identitária de sua espiritualidade fomentou o levante de uma parcela de yogues com o intento de “resgatar” o “espírito original” do yoga indiano. Denomino essa linha de yogues como “tradicionalistas” e herdeiros do pensamento yoguico deroseano de alguma forma, mesmo que divirjam deste em posicionamentos teológicos. Esses yogues “ortodoxos” ou tradicionalistas se distinguem dos hibridistas ou “permissivos” por estabelecerem vínculos mais fecundos com mestres yogues indianos. São verdadeiras peregrinações anuais (existentes até hoje — 2018) à Índia com o foco na imersão e “resgate” do yoga “original” que os tradicionalistas organizam. São eles que despontam entre os anos de 2015–2017 com maior visibilidade no contexto espiritual yoguico brasileiro.

O racionalismo-empírico da ciência veio proporcionando a popularização do yoga como promotor de saúde — sobretudo a dialética estresse-relaxamento (SIMÕES 2015). Essa foi uma das principais adaptações míticas da transplantação do yoga indiano para os centros urbanos das grandes cidades globalizadas. Com isso, podemos conjecturar que o Yogaterapia e o sincretismo religioso do Prof. Hermógenes marcaram uma tendência no país. Denominamos aqui essa vertente de Híbrida no yoga brasileiro em contraposição à Tradicionalista inspirada na ideologia “ortodoxa”. Os yogues hibridistas brasileiros compreendem toda uma ala mais permissiva a sincretismos e inovações teológicas do yoga com outras religiões e espiritualidades.

Os yogues híbridos no país também autorizaram novos “yogas” e agentes sociais a atuarem ao campo social e religioso yoguico brasileiro. A demanda, dessa forma, se diversificou devido a essa perspectiva mais eclética herdeira do Prof. Hermógenes; o que significa que nem todos começaram, aos desavisados no primeiro contato histórico, a buscar o yoga para a transcendência e comunhão com Deus, mas para arrefecer dores nas costas, emagrecer, aumento do rendimento esportivo, se tornar um melhor executivo empresarial e etc. Por isso, o yoga brasileiro viveu bastante atrelado à perspectiva terapêutica de suas práticas e experiências. O próprio conceito de saúde desenvolveu novos pontos de vista no contexto yoguico moderno, o que contribuiu para abrir espaço para o espiritual como modelo da medicina ocidental (ALTER, 2004, p. XII; GNERRE, 2010; SIEGEL, 2010). Mas esse vínculo yoga-ciência trouxe certa secularização ao yoga, tanto que está em processo uma recuperação da “essência” do yoga via yogues ortodoxos. Um dos motivos é a abertura a novos agentes espirituais, como os cientistas-yogues, competindo com os mentores e professores de yoga brasileiros.

Não foram poucos os yogues brasileiros, entre os anos de 1990-2010 no Brasil, a levantarem a voz para a extinção “iminente” do yoga pela sua “corporificação excessiva”, mas os motivos eram outros a que se pregava. Alguns comentários de yogues abaixo atestam esse fato. Esses acontecimentos contribuíram para que diversas linhagens, métodos ou escolas (instituições) de yoga surgissem competindo entre si no mercado religioso brasileiro.

Ganesh: O yoga é uma espiritualidade originalmente. Eu gosto da palavra “resgate”. Me considero responsável pelo resgate da tradição do yoga no Brasil. Faço parte de uma tradição ancestral de yoga. Há uns malucos neo-yogues que pregam algo diferente da tradição. Se utilizam de conceitos do vedanta sem fazer parte da tradição e misturam com um pensamento mágico… Eu sou contra isso. Eu sou um guardião da tradição do yoga original. Sou seguidor de um sidantha. A minha opinião não serve para nada, pois eu falo através da tradição, não do meu ego. Me preocupo em não distorcer a palavra do vedanta, pois a visão do yoga é plenamente em si mesmo e plena. Não pode ser acrescida e nem tirada. É uma posição ortodoxa, irredutível, tenho consciência disso e não me arrependo, pois respeito a tradição. O yoga é uma visão que mostra uma possibilidade para você perceber-se vinculado com algo que você já é, e no qual você têm lampejos ou intuição, mas que você ainda não percebeu plenamente. É um método de transmissão dessa visão da tradição.

Hermes: O yoga tinha uma verve de terapia no seu início aqui no Brasil. Havia aqueles que praticavam o yoga como terapia. Isso foi errado. O yoga não é uma terapia.

Contudo, a crítica dos yogues tradicionalistas no Brasil, como os selecionados acima, pode não residir na fisicalidade do yoga em si, como tanto apregoavam os yogues tradicionalistas, mas no pragmatismo terapêutico que ele carregava. O pragmatismo terapêutico yoguico autorizou não somente os cientistas-yogues, mas xamãs da Amazônia, magos Nova Era, dentre outros, pelo capital espiritual yoguico. Como articula o yogue Ganesh: “Há uns malucos neo-yogues que ligam algo diferente da tradição. Se utilizam de conceitos do Vedanta sem fazer parte da tradição e misturam com um pensamento mágico”.

Os yogues tradicionalistas se percebem com uma missão para esta vida: resguardar a legitimidade do yoga como espiritualidade singular vinda das escrituras sagradas indianas; qualquer aproximação com o “novo”, ecoa heresia e precisa ser aniquilado. Esse deslocamento sensível que vem ocorrendo imprime o tom de transição e marca a chegada de novos líderes e a saída de outros. O discurso dos yogues identificados como tradicionalistas assevera essa hipótese:

Ravi: O yoga passa por mais uma transição. A comunidade yoguica no Brasil melhorou dos tempos dos anos de 1980. Há alguns yogues de interesse sério, que falam a mesma linguagem, mas há outros que se preocuparam apenas com os ásanas (competição e moda). Yoga é para dar liberdade. Yoga é meditação. Mas no mundo moderno o yoga se desvinculou da meditação por estar muito vinculado às posturas que compete com a educação física e perde espaço pela incompetência dos professores de yoga. A “Americanização do yoga” é sinônimo da predominância do lado físico do yoga. Muitos esqueceram-se da meditação, desatrelou-se uma coisa da outra.

Hermes: Estamos em uma fase de transição da fisicalidade para a não fisicalidade. Não há resgate do yoga, mas uma correção de direção. (…) O yoga hoje está sendo recontado por indianos, assim, passa-se por uma transição que a revisa pelo olhar dos próprios indianos. O yoga atual está todo errado, foi interpreta do incorretamente.

Shanti: Em 2000, eu e o Ganesh, dávamos cursos e lotava. Hoje não é mais assim. Acredito que ainda existe uma procura, mas há mais gente e tipos de yoga e assim, diminuiu a demanda. Há a concorrência com o pilates, [ginástica] funcional e novos estereótipos do yoga…

Bento ironiza: Todo mundo no yoga brasileiro se acha parte da centelha divina.

Osiris (cientista): Há uma tribo de yogalike… querem fazer parte de um grupo. O grupo do yoga é cool.

Entre todos yogues, contudo, foi possível perceber uma mudança na forma como eles se percebem e à sua comunidade. Hermes diz que inclui ásanas em suas aulas, por exemplo, de forma estratégica e mercadológica, pois afirma: “As pessoas não querem yoga, querem o que vêem nas revistas” — se referindo às posturas corporais. Ele inclusive confirma incluir em sua formação de professores de yoga muito de “saúde” para satisfazer os alunos; mas depois do primeiro mês começa a mudar o discurso para incluir a mente, o inconsciente e depois a “criação do espaço mítico”. A yogue entrevistada Shanti declara algo bem parecido. Ela afirma que “o yoga sempre a salva”, mas com receio de tratar do yoga como religião/espiritualidade e ser “mal interpretada”, direciona o conteúdo religioso/espiritual no qual acredita, durante a prática física do yoga, que ela mesma define “como um ritual em cima do mat [tapetinho de prática]”. E é esse ritual que possibilita seus alunos a “conectarem-se novamente”, completa.

Shanti: Prefiro enganar as pessoas que o yoga não é religião, pois sei que depois da prática elas vão se sentir conectadas, e isso é religião para mim. As pessoas do yoga não falam de religião, pois querem ter mais alunos.

Bento: No Brasil há um preconceito entre as religiões e os espaços de yoga. Mesmo entre os yogues, recebo muitas críticas devido às minhas relações com o cristianismo. Vou ser sincero com você: esse mercado do yoga é pior do que o da telefonia aonde eu trabalhava.

Centurion: Yoga no Brasil é business. Há uma briga por poder no yoga, mesmo na Índia.

Vishnu: O yoga possui um mercado e por isso não se falam em religião. O yoga se divide em Estado de yoga meditativo e um Método ou Prática. Este segundo [Prática], é igual a qualquer outra religião.

Os yogues mais tradicionalistas parecem já ter percebido que a relação estreita Ciência-Yoga, estabelecida ao longo de mais de cem anos do seu período histórico moderno, tem ultrapassado os ditames materialistas da ciência empírica. A estrutura religiosa que mantém o yoga como uma espiritualidade singular no Brasil, está marcada pelo diálogo — nem sempre pacífico, mas em equilíbrio dinâmico — entre os yogues híbridos, tradicionalistas e cientistas-yogues.

São esses três agentes sociais que conduzem, mesmo que velada, a reforma em processo da proposta espiritual ética do yoga moderno no Brasil. Essa reforma no yoga moderno vem mesclando fisiologia biomédica, inovações ritualísticas e os antigos preceitos religiosos do vedanta. Nesse ínterim, os klesas, o samadhi e o kaivalya se inovaram.

6. Inovações

Existe uma dialética ocorrendo entre o conceito biológico do estresse com o que os yogues brasileiros o compreendem. Por isso, diferenciamos aqui o estresse-biológico do Estresse-Yoguico. O estresse-yoguico adquire o poder do “entorpecimento” ou “agitação” da mente, de alienar espiritualmente o adepto yogue brasileiro, sobretudo a alienação espiritual de quem pensa ser e de como compreende precisar viver para ingressar na ordem de Deus ou algo similar (Kaivalya, lit. libertação das agruras da vida). Em suma, o estresse para os yogues brasileiros entrevistados percebem-no os afastando da Verdade/Deus/Isvara. Essa promessa de harmonia divina é o conceito hinduísta de purusa ou jiva (que pode significar a alma em uma aproximação mais usual do senso-comum), mas readequada ao contexto moderno. Modernamente, podemos afirmar, o yoga brasileiro vem estabelecendo um diálogo com a biomedicina ocidental e sua fisiologia como seu principal ordenador de realidade.

Como manifestação transfisiológica mítica, o estresse-yoguico parece se apresentar como uma inovação em sua teologia que substitui (ou representa?) a moral contida nos comportamentos nefastos dos klesas de outrora (apego, aversão, medo da morte e orgulho), como já elencamos. O estresse ao mundo mítico moderno do yoga possui o poder nefasto de afastar os yogues do Bem. Como consequência desse sincretismo Yoga-Ciência, a doença - “produto” do estresse - parece indicar um desequilíbrio energético (transfisiológico) que pode ser curado/tratado por meio das práticas corporais yoguicas como processos rituais terapêuticos.

Shanti: A doença tem a ver com a sua história pessoal, tem um sentido. Se eu não praticasse o yoga seria obesa e depressiva [sic]. A doença é uma desarmonia da energia sutil. Os chackras desalinhados repercutem em doenças. A energia (prana) circula e a sua má circulação ocasiona em doenças. O yoga é uma forma de se conectar consigo mesmo. O yoga afina o corpo, que com a doença desafina, como um instrumento.

Ganesh: Se a ansiedade é a dificuldade para lidar com o excesso de aprêmios no cotidiano, a depressão é a falta mais absoluta de horizontes, estímulos ou inspiração para agir. Assim, se quisermos ficar distantes desses dois extremos, devemos encontrar o caminho do meio. Isso é chamado sattva. Yoga é um relaxamento dos pensamentos. O mundo está estressado e precisa de relaxamento. O yoga então é uma proposta filosófica-espiritual para isso. Relaxamento é a parte inicial do yoga. Para se compreender quem se é, precisamos estar relaxados, segundo a minha tradição. Relaxar, focar, expandir, reavaliar seus paradigmas, isso é a meditação propriamente dita. Emocionalmente falando, o yoga nos ensina a colocar-se [na Ordem Cósmica?]. Isto se traduz numa postura mais serena e numa melhor disposição no cotidiano. O relaxamento e os exercícios de concentração tomam conta desta esfera. O yoga possui como efeitos mais evidentes deixar o praticante em estado de equilíbrio.

A história pessoal do Prof. Hermógenes com o yoga também ocorreu por meio de uma doença: a tuberculose. Para o microuniverso yoguico brasileiro, o câncer em Shanti, a tuberculose em Hermógenes ou as origens da ansiedade e da depressão, como comentado por Ganesh nas entrevistas, possuem as suas causas em desordens energéticas transfisiológicas, fruto do estresse-yoguico, corroborando conosco. A doença manifestada física e mentalmente seria, possivelmente, apenas um sintoma de certo mal-estar de origem espiritual e cármica, sob esta perspectiva mítica em formação do yoga brasileiro. São doenças com ecos físicos, mas com fundações “energéticas” mais profundas.

7. Reenquadramento das Inovações

A dicotomia entre Prática e Estado do yoga foi se evidenciando durante as minhas audições de professores e cientistas, por isso percebemos ser possível correlacionar essa disparidade apresentada da nova compreensão dos klesas com o estresse-yoguico. Os klesas, agora personificados como estresse nesta nova narrativa brasileira para o yoga, provoca uma repercussão deletéria à manifestação plena do estado de yoga-samadhi, pode ser correlacionado a um corpo menos sujeito à doenças. Esses fatos corroboram as suposições aventadas em outros capítulos, em que as práticas corporais de yoga vêm estabelecendo dialética entre terapia/cura e libertação espiritual. A mensagem implícita aqui está no estresse-yoguico afastando os yogues de kaivalya — a libertação final dos yogues do sofrimento humano e, consequentemente, do ciclo de reencarnações (Samsara) – o poder de ver Deus/Verdade/Isvara.

Para ser mais claro: o yoga, transplantado ao Brasil em contato com a cultura e espiritualidade já existente, é “adaptado” aos problemas sociais específicos dos brasileiros com os quais estabelece. Desse encontro é inevitável as comparações e o surgimento de ambiguidades, como a tendência do yogaterapia hermogeano em integrar-se ao cristianismo popular e às curas espirituais kardecistas, os trabalhos de pajelança ou até mesmo similaridades com o trabalho das benzedeiras do interior do Brasil. Nesse contexto de atitudes inter-religiosas com a espiritualidade yoguica estrangeira, o yoga precisou se adaptar e gerar inovações, como no caso de sua fisiologia sutil (transcendente) com a biomédica científica, e com o surgir do estresse-yoguico como indicador (trans)fisiológico dos klesas.

A desvinculação gradual do yoga com o hinduísmo, a aproximação com a Ciência e, a consequente abertura para o despontar de novos agentes espirituais, configura o espaço para os cientistas-yogues/meditadores surgirem ao campo sóciorreligioso yoguico no Brasil. Dessas inovações, houve um processo de recuperação ou resgate da “espiritualidade esquecida” do yoga pelos yogues mais ortodoxos ou tradicionalistas que, assistindo a esses hibridismos (leia-se, “heresias” para essa camada do microuniverso yoguico), decidem resgatar essência indiana esquecida pelos yogues modernos. Disso, surge o estágio de reenquadramento das inovações evidenciado pela diferenciação entre Estado e Técnica de yoga identificado entre os yogues entrevistados. O intuito em diferenciar, estaria em barrar a entrada e permanência de agentes “secularizantes”.

Como ficou registrado na apresentação do discurso dos yogues entrevistados em campo, todos diferenciam as práticas de yoga que possuem o caráter de alcance do “estado de yoga” das outras que promovem apenas benefícios orgânicos pela aplicação técnica do yoga. A esperança dos yogues nessa fase de “reenquadramento das inovações” estaria em distinguir o yoga enquanto “técnica” — e, assim, disponível a todos (mesmo os não-iniciados) — e as práticas promotoras de “estados” de yoga ao alcance apenas de poucos iniciados (professores e líderes). Atualmente (2018) isso se confirma com a demanda crescente de cursos, formações e capacitações nas mais diversas técnicas de meditação: Mindfulness do cientista Kabat-Zin, Programa Smart da Universidade de Harvard/EUA, além de outras práticas de meditar desvinculadas de suas tradições, leia-se Métodos. Todos tem acesso (até pela internet em cursos online) as mais diferentes técnicas de meditar, mas poucos se aventuram a fazer parte da comunidade, compreender e saber interpretar suas escrituras.

Em outras palavras, praticar uma técnica perfeitamente, mas desconectado do contexto em que ela existe como “ordenadora de realidade”, é experienciar e não compreender o que fazer com isso. Qual o propósito? Se for arrefecer os níveis crônicos do cortisol, aumentar neurotransmissores de “bem-estar” como dopamina, serotonina, ou hormônios como a melatonina – tanto quanto bom; mas aqui retornamos na singularidade narrativa dos yogues brasileiros, pois não há como acessar ao mundo espiritual do yoga sem o salto da fé, ou seja, sem o arcabouço mítico que organiza a realidade de sentido de vida do yoga.

Outro reenquadramento das inovações reside na elevação do caráter físico, promulgado pelos cientistas, dos benefícios que o relaxamento das práticas yoguicas promovem.

Bento: O relaxamento é uma referência física do estado de yoga.

Ganesh: O relaxamento é uma parte inicial do yoga. Para se compreender quem se é, a pessoa precisa estar relaxada, segundo a minha tradição.

Shanti: O relaxar nos ajuda a estar presentes.

Rudrá: Não consigo pensar no yoga sem o relaxamento que ele produz.

Ravi: O yoga é relaxamento. Relaxamento é uma característica do yoga. Yoga é um processo de relaxamento dos pensamentos. O mundo está estressado e precisa de relaxamento. O yoga então é uma proposta filosófica espiritual para este fim. O grande perturbador do yoga moderno. Ficar quieto é um problema para a sociedade moderna.

Vishnu: O yoga é sinônimo de relaxamento. O estresse impede o estado [de yoga].

Osiris: O bem-estar que o yoga me traz me provoca o relaxamento, e o relaxar nos ajuda a estar presentes.

Centurion: O yoga é a união para harmonizarmos. O yoga é a união das diversidades. O yoga nos deixa com um mental mais calmo, equilibrado.

Em vez de resistir aos achados empíricos da fisiologia científica, os yogues brasileiros se aliam a eles e os “enriquecem” de poderes transfisiológicos e de uma nova mítica (e mística), pois agenciam o relaxamento ao nível de espiritual, portanto, fora dos ditames “racionais” da ciência. Provavelmente, e mesmo que inconsciente, por ser uma experiência antagônica ao estresse, o relaxamento foi sendo (re)conduzido como indicador do “estado de yoga” legítimo, uma “experiência” fora dos limites do científico.

Conclusão

Quando o yoga indiano, calcado na cosmologia perene hinduísta, alcançou terras distantes da sua estrutura social, religiosa, política e cultural, o encontro do Outro se revelou bem mais contrastante, ofuscando a alteridade dos yogues indianos. Enquanto o yogue medieval se deteve em revelar as desigualdades da sociedade estratificada indiana e apresentar uma via espiritual para a transcendência sem diferença de castas, mas ainda sim, respeitando a ordem cósmica erigida pelos textos religiosos — e não apenas de alguns poucos escolhidos —, o yoga moderno, transplantado para sociedades cosmopolitas, seculares e privatizadas religiosamente (e muito influenciado pelo movimento religioso Nova Era), compreendeu (os yogues modernos) o sofrimento não advindo de uma cosmologia absoluta (de uma Verdade/Deus a priori), mas da ilusória liberdade que a sociedade pautada pelo consumo, individualista, cansada e da busca incessante pelo aumento do rendimento os fazem pensar (e precisar) ter.

Como denomina o coreano o filósofo Byung-Chul Han (2014), vive-se em uma sociedade do cansaço, pois construímos uma forma de viver excessivamente narcísica, em uma espécie de gestão de nós mesmos. E gerenciar a própria vida (em vista a algo que transcenda essa vida) esgota a existência e destrói a sua alteridade. O reflexo no corpo são doenças consequentes de um esgotamento profundo, complementa o filósofo coreano. Dessa forma percebemos, a partir das argumentações até aqui, o Yoga estabelecendo dialética entre o Estresse-Klesa, o Relaxamento-Samadhi e a Homeostasia-Kaivalya, não como fruto do acaso ou de uma deturpação da tradição yoguica indiana. Muito pelo contrário, mais do que uma simples retórica, a readequação em processo desses conceitos (Klesas, Samadhi e Kaivalya) na doutrina yoguica brasileira singular/malandra parece revelar repercussões psicofisiológicas conquistando contornos singulares.

Os yogues brasileiros pode estar vindo estabelecendo uma relação dialética com uma nova visão de mundo religiosa, que pode buscar responder aos problemas reais da vida cotidiana (Samsara) e não “fugir” dela. A sensação do Relaxamento como experiência legitimadora de sucesso espiritual nas práticas rituais do yoga, a busca por uma espécie de Homeostasia Divina libertadora definitiva do “estresse” como obstáculo à ascensão espiritual, podem revelar um ajustamento do yoga como um novo caminho religioso no Brasil.

Como um próprio swami indiano contemporâneo e espiritual de uma nova geração de professores e mentores de yoga no Brasil, Dayananda Saraswati, portanto, um importante decodificador moderno das escrituras yoguicas sob a luz do Vedanta, em seu livro "Isvara em sua vida", no capítulo que discorre sobre a falta de conhecimento da ordem divina, menciona:

"O conhecimento de Isvara vai nos ajudar a ver como podemos relaxar na confiança desse mesmo Isvara (…) a compreensão de que Isvara, está manifestado na forma de jagat [lit. o Mundo], vai nos ajudar a descobrir um altar onde poderemos dissolver desamparo e relaxar". (SARASWATI, 2016, p.83).

O yoga no Brasil, sobretudo, precisa começar a ser compreendido entre acadêmicos (de todas as áreas que o investigam – biológica, filosófica e das ciências humanas) mais do que uma simples atividade física, algum tipo de “neuroexpansor da mente” ou ainda uma “espiritualidade” que empresta seus símbolos a outras religiões, e mais como um novo movimento religioso em transição no campo religioso do país. A pesquisa com vistas a dimensão secular do yoga apenas, pode o diminuir em sua elegância filosófica. O yoga moderno, portanto, à luz do que vem ocorrendo no Brasil, pode ser pensado como uma nova religião em desenvolvimento surgindo no seio de sociedades que perderam a fé nas suas religiões institucionalizadas tradicionais.

Bibliografia

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­­­­–––––––––––. 2018. Early Latin American Esoteric Yoga as a New Spirituality in the first half of the twentieth century. International Journal of Latin American Religious, 2(2): p.290-314.

Notas:

[1] Há casos, inclusive, de praticantes, após a formação, saltarem direto para a categoria de mentores, fato comum de ocorrer no Brasil.

[2] Ver www.dayananda.org/swami-dayananda.html, acessado em 01/07/2015.

[3] Nas pesquisas do antropólogo da religião Silas Guerriero, a Palas Athena pode ser considerada um local de divulgação do conteúdo espiritual nova erista.

[4] ANDRADE, L.H. et al. 2012. Mental disorders in megacities: findings from the São Paulo megacity mental health survey, Brazil. PLoS One, 7(2): e31879.

[5] Para se aprofundar na questão dos Klesas como causa do mal no yoga, ver SIMÕES (2015).

[6] Swami Sivananda, por exemplo, incentiva os seus alunos a abrirem as suas próprias organizações religiosas (que ele as intitulava de “missões”) e a divulgar esses ensinamentos em outros países. Na sua autobiografia, Sivananda dedica um capítulo aos seus ideais yoguicos, intitulado Minha Religião, sua técnica e disseminação (p.59-74), em que ensina como os seus discípulos devem proceder com as suas próprias organizações yoguicas. Esses seus ensinamentos ajudaram estas como o International Sivananda Yoga Vedanta Centres (1959), fundado por Swami Vishnudevananda no Canadá; o Yoga da Linguagem Oculta (1956), escola desenvolvida pela Swami Sivananda Radha (1911-1995); e o Yoga Integral, desenvolvido pelo Swami Satchiananda (1914-2002), que foi quem apresentou este método, em 1969, aos hippies durante o festival de Woodstock (ver SIVANANDA, S. 1993. Sri Swami Sivananda: Autobiografia. São Paulo: Ed.Pensamento).


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