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A Ordem e o Kaos no mundo religioso


Vivemos em um mundo caótico. Mas isso não tem nada de novo, e nem de moderno (ou pós-moderno). Desde sempre o acaso e a necessidade é que tocam o barco por aqui. Para dar ordem a esse caos, surgiram alguns ordenadores de mundo, como as religiões, as filosofias, os mitos, as sabedorias populares, as artes e as ciências mais recentemente.

No entanto, para ordenar algo precisamos criar regras, normas, moral e práticas; tudo para dar sentido à vida, ao mundo e sustentar a Ordem criada (e imposta muitas vezes) anteriormente - uma vida organizada de fora. Isso tudo exige um esforço tremendo. Um esforço individual e de uma comunidade para dar plausibilidade/legitimidade a essa ordem, pois o Caos clama constantemente pelo seu poder des-organizacional. Não está entendendo ainda? Lembre-se quando algum ser vivo próximo de você morreu. Teve nexo, sentido para você na época? Viver a vida demasiadamente humana é perigoso e a magia nos encanta.

Assim, são os outros e as nossas próprias experiências é que dão plausibilidade a ordem criada por sua religião, filosofia, mito ou qualquer outro conhecimento que você se identificou para explicar o mundo em que você habita; nem que seja a filosofia niilista de Schopenhauer ou Nietzsche, você precisa de uma ficção, de uma ilusão (maya) para aguentar viver sob a égide pesada do Caos. Sim, o Outro e você mesmo (pois são sempre os outros o Inferno, já dizia o filósofo.

Imagine uma tribo isolada de outras populações (leia-se, outras formas de sentido, de ficcões que as curem do Caos), ela criou o seu sistema de ordenamento do mundo, como por exemplo, a crença em dançar em torno da fogueira na primeira lua cheia do período do plantio para uma boa colheita, ou praticar jejum em uma data específica para conquistar o poder de purificar o corpo. Isso é repetido por milênios e não se questiona, pois todos fazem e desde sempre o fizeram e não tem por que duvidar; pois "dá certo", ora bolas! (alguns dizem: "É a voz da tradição!"; e isso não se altera, torna-se um dogma). Em outras palavras, é a força do pequeno fascista em você clamando para uma "vida sedentária", onde nada se altera e conserva longe deles o medo de um mundo sem sentido - Deus é a Verdade e ela vos libertará, não é assim? Imagine uma vida sem Deus/Verdade ou com muitos deuses/verdades? Qual escolher? Não é a toa que boa parte do mundo adotou o monoteísmo.

O Estado e a Igreja há muito se juntam e determinam o que é certo e errado para a sociedade em que se instalam. Sempre foram eles que detiveram o direito (e o dever) de ministrar e preservar a ordem, em geral, para manterem-se no poder legitimamente, seja por força da hereditariedade ou "nobreza familiar" (sangue azul, casta brâmane, filho de deputado). Mas, imagine agora uma outra comunidade moral estabelecendo contato com outra comunidade/sociedade, ou seja, com outro sistema de crenças sobre uma boa colheita e saúde, por exemplo - indivíduos com outras explicações sobre o mundo, sobre a ordem da realidade, com outra forma de pensar, explicar e dar Ordem ao Caos. Alguns membros da tribo podem começar a compreender a crença da sua comunidade - que ele seguiu desde sempre - abalada por outras sabedorias: "Perde-se o chão!". O que fazer? Pode-se sincretizar as explicações, pode-se acabar com as primeiras, pode ser que os indivíduos que chegaram abandonem as suas explicações e adotem a da primeira tribo, ou simplesmente eles podem decidir iniciar uma guerra por buscar legitimar as suas próprias realidades/verdades/deuses, com o medo do mundo no qual ele (e a sua comunidade) viveram por milênios desapareça!

Alguns denominam isso de perder a identidade, a tradição ou a cultura. Bastar pensar no holocausto ou em nossos indígenas e negros e os sistemas manicomiais que surgiram no Brasil como forma de retirar da sociedade elementos (indivíduos desviantes ou borderlines) que não vivem sob a mesma moral égide instituída.

Há, dessa forma, um equilíbrio social a se manter. Uma ordem a preservar. A sua harmonia e da comunidade em que você vive precisa ser mantida (a qualquer custo?). Para Robert Fuller por exemplo, o deus judaico-cristão vingativo e que impele medo aos seus devotos, seria fruto de uma população judaica oprimida violentamente pelos egípcios que os escravizavam por muito tempo, assim surge uma doutrina do medo e da violência para todos que não se comprometerem com Suas palavras (do Deus cristão). No caso do yoga, comparativamente, os sutras de Patanjali surgem no seio de sacerdotes bramanicos que precisavam manter a ordem das castas (e a sua superioridade "moral" sobre as outras castas inferiores às deles). Assim, nada mais racional e lógico do que instituir o desapego (um dos 5 klesas, lit.venenos ou obstáculos) como comportamentos nefastos aos indivíduos da comunidade indiana do séc. V a.C. Um cidadão da mais baixa casta social não deveria possuir apego as coisas materiais, pois poderia - de outra forma - desenvolver o sonho de almejar também os mesmos privilégios da casta bramanica, subvertendo a sociedade moral destes últimos (uma afronta a vida sedentária e pequeno-fascista dos brâmanes da época?).

Dessa forma, o Yoga nunca ficou incólume a toda dialética social, religiosa, política e econômica acima. Esse pensamento de ideal "puro" do Yoga também é fruto da alienação (avidya em sânscrito) social criada pelos dominantes do meio religioso/espiritual que possuem a hegemonia dos bens de salvação ioguicos (os brâmanes, ou seja, o próprio Patanjali).

Cada religião/espiritualidade assim, criando o seu "mundo ideal" de ordem forma, paradoxalmente, comportamentos considerados "mais corretos" e "éticos" do que outros (considerados profanos ou amorais), num verdadeiro elã alienante social. Trazendo à baila novamente a religiosidade do Yoga, a manutenção comportamental da relação klesas-vrttis (klesas como formadores dos vrttis ou "turbilhão da mente") para o Yoga antigo/clássico é o caminho para a transcendência, a via para a liberação em vida das agruras da vida ou Kaivalya (lit. libertação ou liberação, o equivalente da Redenção Cristã). Mas, como obter isso? A proposta é o Asthanha Yoga, um caminho religioso/espiritual pautado em 8 partes, onde condutas éticas e morais são prescritas para a vida que vale a pena ser vivida (yamas e niyamas), assim como práticas rituais psicocorporais (asanas, pranayamas, prathyahara e a meditação propriamente dita - samyama, ou seja, dharana, dhyana e samadhi) devem ser realizadas diariamente (eu sei que essa parte para quem está fora do Yoga parece "grego", mas é sânscrito, e não desista de mim e continue a leitura).

Mas será que todo esse esforço intelectivo antigo consegue suspender o Caos e dar Ordem aos yogues modernos ainda? Isso garante a salvação dos nossos sofrimentos contemporaneamente, frente a revolução digital das sociedades capitalistas com vistas apenas ao acúmulo de capital? Talvez não mais, pelo menos não com essa linguagem erigida para um público não mais habitando sociedades imperiais. Hoje, o método espiritual do Asthanga Yoga pode garantir a um devoto ao Yoga - um indivíduo que decide crer na Ordem criada pelo Yoga - dissolver o seu caos interno e viver pleno consigo mesmo e o Universo, mas ele precisa, antes, desfazer-se da Ordem criada por outros métodos (como o cristão) e desenvolver a fé ioguica.

Isso pode não fazer o menor sentido a você (todo esse discurso de Patanjali e a salvação pela diminuição dos vrttis e atenção aos comportamentos dos klesas), assim como não o fez para os primeiros cristãos protestantes anglicanos que iniciaram a colonização da Índia, ainda no séc. XIX. No entanto, existem infinitas outras formas de obter uma ordem para o Caos do (seu) mundo, e isso (a adesão ou não às explicações religiosas/espirituais/filosóficas/cientificas/míticas criadas para afugentar a desordem do mundo) dependem atualmente e exclusivamente da SUA vontade, pois vivemos em um mundo aonde a escolha religiosa/espiritual/filosófica/artística/mítica foi PRIVATIZADA e o Estado não mais determina qual a explicação de mundo que se deve ou não seguir por sua população (processo que os sociológicos denominaram de Secularização).

O que seria uma "benção" (não viver mais sob a pesada espada de uma religião apenas dominante), se tornou (em nosso mundo atual, sobretudo após 1600 d.C. com o surgir da Ciência como mais uma forma de explicar a DES-ORDEM do mundo) uma "maldição". Com isso, ao invés de aniquilar as religiões como ordenadora de realidades, a demanda por bens de salvação se multiplicaram e o mercado religioso desenvolveu infinitas outras formas de sincretismos e bricolagens: Xamanismo com Cristianismo = Santo Daime; Cristianismo com Hinduísmo = Espiritismo Kardecista; Espíritas Kardecistas com Candomblecistas = Umbanda; Umbanda com Santo Daime = Umbandaime; Ciência + Terapêuticas Orientais + Ocultismo Ocidental = Nova Eristas, e Hinduísmo + Nova Eristas + Espiritas Kardecistas + Daimistas + Cristãos = Yoga Moderno Brasileiro.

Aí complicou? Talvez, mas essa reflexão nos fornece uma liberdade maior de escolha, em suma, liberta você da busca pela verdade. Mas com toda essa liberdade de escolha vem o ônus da insegurança, da raiva e do medo de fazer a coisa certa (ou não). Já que posso escolher qualquer uma outra Ordem ao meu Caos, como saber se estou fazendo a escolha correta? Entre viver algo e errar, paralisa-se em STAND-BY e não vive, não experiencia-se nada. O que falta a este? Coragem para ser quem você quiser Ser. Vida nômade espelhando-se em Arjuna que é incitado por Krisha a entrar na guerra e não se acovardar perante a vida e suas escolhas.

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