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Plenitude proclamada: uma leitura psicanalítica de gurus “iluminados"

🎯 Introdução

Na psicanálise lacaniana, a falta e a castração são centrais à constituição do sujeito. Quem se proclama “pleno” ou “iluminado” muitas vezes revela, por trás do discurso, uma operação defensiva — seja perversa, psicótica ou neurótica maníaca.

1. 📘 Referenciais acadêmicos

  • Pesquisas mostram que grupos espirituais (NRMs) apresentam níveis de ideação delirante comparáveis a casos psiquiátricos, embora com menos sofrimento ou prejuízo funcional (AARON & FUSAR-POLI, 2013).

  • Em psicose, especialmente esquizofrenia, os delírios com temática religiosa são comuns e denotam estrutura psicótica (PETERS et al., 1999).

  • A fenomenologia da delusão, a partir de Jaspers, descreve “humores delirantes” que se cristalizam em crenças absolutas (MISHRA et al., 2018).

  • Na psicanálise, Freud interpreta delírios como compensações a conflitos internos e carência de identidade (GUPTA et al., 2018).


2. 🧠 Estrutura possíveis

Estrutura

Discurso de plenitude

Modo clínico

Perversão

“Eu sei o que falta mas te vendo a suposta cura”

Mestre guru que explora ensinamentos punitivos

Psicose

“Sou realmente iluminado, o Um absoluto”

Delírio religioso sério, sem mediação simbólica

Neurose maníaca

“Não sinto falta, só alegria espiritual”

Defesa contra a angústia, recusa estrutural da divisão subjetiva

3. Exemplo: Swami Muktananda (1908–1982)

  • Fundador do Siddha Yoga, proclamava transmissões místicas e direitos de envio espiritual.

  • Acusações de abusos sexuais e controle emocional sobre devotas foram documentadas, e sua organização funcionava quase como uma rede de dominação narcisista 

  • Do ponto de vista psicanalítico, essa conduta reflete perversão narcísica disfarçada de santidade — construção de um mestre que sustenta seu gozo e poder sobre os outros, fornecendo uma “plenitude” que ele mesmo sabe ser teatral.


4. Exemplo: Gregorian Bivolaru (n. 1952)

  • Fundador da MISA com práticas tântricas confessionais e polêmicas. Acusações incluem tráfico sexual, abuso e contexto de seita.

  • Diagnóstico histórico de paranoia em regime comunista; acusações posteriores reforçam traços psicóticos delirantes, especialmente a crença em poderes místicos, naves extraterrestres etc.

  • Clássico caso de psicose megalomaníaca — convicção absoluta de ser especial e detentor de poderes além-humanos, sustentado por ausência da operação simbólica do Nome-do-Pai.


5. Delineando os traços

  • Muktananda → perversão: sabia da falta, a negava teatralmente, mantinha relação de gozo sobre seguidores.

  • Bivolaru → psicose: delírios de grandeza (extraterrestres, tráfico “sagrado”), ausência de mediação simbólica.

  • Em ambos, o discurso de plenitude serve para mascarar um fundo estrutural: falta que não se elabora ou se transforma em poder compensatório.


6. Conexões com a teoria psicanalítica

  • Os devotos que aderem a gurus assim experimentam uma forma de delusional atmosphere: sentimento de envolvimento num campo espiritual, seguido de entrega radical (Upthegrove, 2018)

  • Os gurus utilizam técnicas (mantra, silêncio, submissão) que, do ponto de vista psicodinâmico, podem funcionar como formas de controle — manipulação e abuso em chave analítica.


🔚 Conclusão

A declaração “sou plenamente realizado” não é um indicativo de paz simbólica, mas sim:

  • 📌 Máscara perversa: gurus que vendem plenitude enquanto exploram seguidores.

  • 📌 Delírio psicótico: quem acredita ser um enviado, vive num Outro delirante.

  • 📌 Em ambos os casos, há ausência ou negação da castração simbólica, substituída por gozo direto (perverso ou delírio).


📚 Referências Bibliográficas:

Aaron L. Mishara, Paolo Fusar-Poli, The Phenomenology and Neurobiology of Delusion Formation During Psychosis Onset: Jaspers, Truman Symptoms, and Aberrant Salience, Schizophrenia Bulletin, Volume 39, Issue 2, March 2013, Pages 278–286.


Peters E, Day S, McKenna J, Orbach G. Delusional ideation in religious and psychotic populations. Br J Clin Psychol. 1999 Mar;38(1):83-96.


Mishra A, Das B, Goyal N. Religiosity and religious delusions in schizophrenia - An observational study in a Hindu population. Asian J Psychiatr. 2018 Feb;32:35-39.


Gupta, Kshama; Mamidi, Prasad. Deva grahonmada: Interictal Behavior Syndrome of Temporal Lobe Epilepsy?/Obsessive-compulsive Disorder with Mania?. International Journal of Yoga - Philosophy, Psychology and Parapsychology 6(1):p 41-50, Jan–Jun 2018. 


Upthegrove, R., A., S. (2018). Delusional Beliefs in the Clinical Context. In: Bortolotti, L. (eds) Delusions in Context. Palgrave Macmillan, Cham.


 
 
 

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