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Diálogos Esquizoyoguicos



Pergunta:

Olá Beto. Tudo bem? Quanto a esse podcast "Yoga do Passado", fica, para mim mais difícil entender esse aspecto "heterotodóxico" do Yoga me deparando com tipo, "Beer Yoga", ou mesmo "Baby Yoga", como você mesmo citou. Acho super válido o uso de nyamas e yamas adaptados aos dias de hoje nas aulas, e uso sempre, mas tomando uma brejinha junto... Esse tipo de visão fica como ortodoxa?

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Resposta:

rs. Vc está preso a um tipo (ou tipos) de yogas que são "originais"/tradicionais e outros que não. Entenda, não há um Yoga Puro; todo yoga que voce conhece, conheceu ou virá a conhecer é legitimo, pois, reitero, todos os yogas são vira-latas em certo sentido, sem estirpe ou "nobreza" de algum tipo (inata ou adquirida).


Se criou o mito que o yoga de Patanjali é "clássico", o Hatha dos Nathas é "corporal" e os religiosos hare-krishnas são "adoradores" ou qualquer outra coisa, não importa. Em uma palavra, o yoga não advém de uma raíz única e há suas ramificações, como uma árvore. O yoga está mais para rizoma - plural.


Posto isso, a outros pontos que é necessário a sua racionalidade conservadora superar - ou não; a questão é superar, na realdiade, a ignorância ou avidya: não saber que não sabe. Um destes, é se despir de toda uma moralidade que associa animais (Pet-Yoga), "drogas" (ayahuasca, maconha e álcool, como no seu próprio exemplo), humanos (trans, gays, crianças, bebês, homens e mulheres), gênero e diversas outras moralidades de uma sacralidade ou profanidade no(s) yoga(s).


Ortodoxo em uma dada religião é tudo o que alguns sacerdotes (mais dominantes do que outros) compreendem como sagrados ou de possível aproximação (leia-se, permissão por eles/sacerdotes de participar ou não de uma cerimonia ou ritual religioso no qual são portadores/guardiãs da "verdade"). Heterodoxo é o que não foi aceito (por aqueles). Por exemplo, Sidarta, o Buda histórico, é um hinduísta que, praticando o Hinduísmo (ou bramanismo se preferir, não importa agora) alcançou uma "sacação" da organização cósmica que questionava a razão da sociedade estratificada em castas em que vivia (a indiana). Suas argumentações não foram aceitas pelos sacerdotes da época e rapidamente foi expulso da congregação, erigiu o Budismo e até hoje é heterodoxo ao Hinduísmo. Jesus, o mesmo com o judaísmo. Volta para a sua questão inicial agora:


Porra, tomar uma breja no meio de uma aula de yoga não é demais não? Já tão zuando né? E essa história de cabra no meio da aula ou um bebe participar da aula?

A sua moral está gritando que é "esculhambação" (deturpação dos princípios originais do SEU yoga? - pior, talvez, do qual você é apenas mais um replicante, como um camelo carregando a moral alheia). Ou seja, dentro da SUA doutrinação yoguica - ao qual passou talvez no seu curso de formação - isso não pode ser aceito.


Vc foi "convertido" em um tipo|escola|tradição|instituição de yoga que não (pode) aceitar isso. Mas se levar isso as ultimas consequências, por que pode aceitar que sincretize com o espiritismo kardecista e a biomedicina ocidental, como fez Prof. Hermógenes? Qual o peso e medida aqui? A sua visão que, provavelmente não é sua, mas de seu professor de formação (seja na Índia, Tibete, Vila Madalena ou zonal sul carioca).


Qual o ponto central do diálogo aqui expresso? Você possui todo o direito de não incluir essas apropriações (como a do Kemetic Yoga que acredita que o yoga é africano ou do Método de Yoga Restaurativa que insere posturas passivas derivadas do savasana), mas não lhe permite (e sei que você não está fazendo isso, mas como disse, estou levando as ultimas consequências suas argumentações do absurdo de alguns yogas) aniquilar tudo o que for diferente de você (na verdade do yoga que lhe pasaram como "verdade"| real?), sacou o rolê?


Um dia me perguntaram, provocando: "Cara, você tem que se posicionar sobre essa democratização do Yoga, é uma vergonha essa associação, hoje por exemplo, do funk carioca com o yoga".

Se você não sabe do que estou falando joga no youtube "sarração", e vai logo compreender como é fora do "normal" a apropriação (marginal, "leviana"?). A minha resposta foi que eu achava lindo essas descodificações que o yoga se permite realizar entre os brasileiros. E ainda mais a apropriação de uma população negra, pobre e periférica do yoga com o funk, a pajelança, o daime, a umbanda e o que mais acontecer de linhas-de-fuga criadoras. Isso é qua mantém o yoga vivo por milênios' são os yogui(ni)s sem-vergonha é que dão, deram e darão sempre potência aos yogas.



Isso descaracteriza o yoga? Bem, ao longo de mais de 2mil anos o yoga sofre essas apropriações e continua vivo, por que temer agora. Sou eu por acaso um "detentor dos valores yoguicos do universo"? O yoga de Patanjali se apropriou de um yoga não védico + a religião samkhya e o "bramanizou"; o yoga medieval se apropriou do jainismo, islamismo, sufismo, alquimia, vedanta advaita, ayurveda e o transformou em "hatha-yoga"; o yoga moderno se apropriou do hatha medieval com educação física, biomedicina ocidental, neovedanta, nacionalismo indiano, cristianismo e o "modernizou"; e agora, o que virá? O que vingará?


A pergunta legitima e que vale a pena e importante mesmo se fazer é: o SEU yoga está aumentando a sua potência em viver e do yoga em si? Qual a sua contribuição para o yogado seu tempo e comunidade? Consegue ainda construir sentido para a sua vida e os seus? Esse vídeo abaixo retrata bem de forma irônica os replicantes do yoga.



O SEU yoga dá conta das "tretas" da sua vida?


Ou no apuro, quando por exemplo um ente querido seu está na UTI ou em processo de cuidados paliativos devido a um câncer avançado você abre seu "mat" e larga a série 1 do asthanga (vinyasa yoga), se pendura em cordas do método Iyengar, canta mantras pra Ganesha, respira em ujjay ou corre pra capela do hospital e cai de joelhos rezando o pai-nosso e a ave-maria?


O que lhe produz sentido de vida é o yoga ou ele é apenas seu "ganha-pão"?



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