O Campo Simbólico e Psicanalítico do Yoga
- PhD. Roberto Simões
- há 18 horas
- 4 min de leitura

Introdução
O artigo “The Yoga Field” de Matteo Di Placido, publicado em 2023 na Annual Review of the Sociology of Religion, propõe que o yoga contemporâneo é um campo híbrido, composto por (1) lógicas espirituais/religiosas, (2) terapêuticas/médicas e de (3) lazer/fitness, que determinam o que é considerado yoga, quem deve praticá-lo e com qual propósito.
O autor enfatiza que o yoga moderno não deve ser visto como uma prática homogênea, mas como um campo dinâmico e em disputa onde diferentes agentes (mestres, estúdios, médicos, comunidades religiosas, profissionais de marketing) disputam legitimidade e recursos simbólicos. Essa abordagem permite uma compreensão mais complexa das práticas de yoga na sociedade contemporânea.
Em resumo, Di Placido oferece uma perspectiva sociológica aprofundada sobre o yoga moderno, destacando sua natureza híbrida e as disputas de poder que moldam sua prática e percepção na sociedade.
🔑 Pontos da Conclusão
* Reconhecimento da multiplicidade: O yoga moderno não é homogêneo; suas práticas e discursos se entrecruzam e conflitam no espaço do campo, exigindo uma abordagem que considere essas tensões internas.
* Recusa ao reducionismo: ao utilizar a teoria de campo de Bourdieu, o autor contorna armadilhas analíticas que reduzem o yoga à religião, terapia ou entretenimento, propondo uma compreensão relacional que leve em conta os agentes, práticas e capitais simbólicos em disputa.
* Ferramenta heurística: o campo híbrido é apresentado como uma lente produtiva para estudos futuros, capaz de captar variações históricas, culturais e institucionais nas práticas do yoga, sem pressupor sua essência ou origem.
* Convite metodológico: Di Placido conclui sugerindo que incorporemos esse esquema em análises empíricas, examinando como diferentes agentes (mestres, estúdios, médicos, comunidades religiosas, marketeiros) moldam conjuntamente o que “vale” como yoga, para quem e por quais razões.
✅ Em resumo
A conclusão reforça que “The Yoga Field” é um modelo analítico potente para entender a pluralidade do yoga contemporâneo—seus conflitos, apropriações e reconfigurações no plano social—sem depender de explicações essencialistas. É um apelo metodológico à adoção de uma análise relacional, crítica e historicamente sensível das formas híbridas de yoga em contextos globais.
Mas as práticas como yoga não servem apenas a regular emoções ou ampliar capitais simbólicos; elas lidam com a repressão, a sublimação e a instauração de um ego disciplinado — essencialmente, mecanismos psíquicos que moldam o sujeito numa possível - mesmo ignorada por professores e praticantes desatentos, pois não sabem incluir o diálogo a escuta (não só de “si-mesmo”), uma reconfiguração do inconsciente, não apenas do corpo ou das relações sociais.
1. Repressão e controle: a centralidade do autocontrole no yoga moderno — seja sob lógica fitness, terapêutica ou espiritual — ecoa os processos psíquicos inconscientes de recalcamento. Sob a fachada de bem-estar, há um esforço contínuo por suprimir pulsões inconscientes (vasanas, para o Yoga clássico), deslocando-as para práticas ritualizadas — o que cria uma forma “socialmente aceitável” de neuróticos = todos yogues se orgulham de suas disciplinas austeras (tapas).
2. Sublimação e mercado espiritual: no neoliberalismo do “self-care” e da performance espiritual, o yoga se converte em veículo para a sublimação das pulsões por sucesso, status e controle. No artigo de Di Placido, essa lógica mercadológica é interpretada como disputa de capital; mas tb pode revelar que a performance ascética ou terapêutica do “eu disciplinado” permite canalizar desejos inconscientes, preservando o ideal do “eu todo-poderoso” (busca do guru perfeito = Ideal de Yogue) oculto atrás de um discurso espiritual de iluminação.
3. Transferência e figura do guru/influencer: no campo, a autoridade simbólica de mestres de yoga, instituições médicas e estúdios atua como figura transferencial — demandada no sujeito em busca de cura ou transcendência. A atração por corpos “iluminados”, gurus ou coaches pode ser analisada como um desejo inconsciente de cura narcisística. Di Placido mapeia esses agentes como portadores de capitais, e a psicanálise, p.e., pode contribuir, mostrando que o campo opera também como teatro de projeções e idealizações inconscientes.
4. O desvelo sobre o inconsciente: por fim, chamaria à reflexão o que permanece oculto no “campo do yoga”: os fracassos espirituais, as resistências ao “self-care” e as fissuras subjetivas que escapam à análise sócio-econômico-institucional. O que não cabe no discurso do bem-estar se instala na clínica, no sintoma, na ansiedade retida entre posturas e respirações - ainda pouco explorados entre yogues e meditantes, pois vivem sob a ideologia essencialista que acredita que é só manter uma disciplina de meditação e posturas/respiratórios e leitura de textos sagrados que seus problemas (dukkha) um dia irão desaparecer - o que é uma fantasia, imaginação ou delírio.
Em suma, integrar uma perspectiva psicanalítica ao modelo de Di Placido permite revelar que:
* o yoga não só disputa capitais, mas também reorganiza estruturas psíquicas profundas;
* o autocontrole e a disciplina corporal são mecanismos de manejo inconsciente;
* a autoridade no campo é também transferência de pulsões e desejos inconscientes;
* as promessas de bem-estar ocultam falhas e resistências que emergem no nível do sintoma.
Essa híbrida análise sociológico‑psicanalítica enriquece o entendimento do yoga contemporâneo como prática que atua simultaneamente nos corpos, no social e no inconsciente — tensionando sua dimensão simbólica e seu impacto subjetivo profundo.
Bibliografia
DI PLACIDO, Matteo. The Yoga Field: a Bourdieusian account of yoga’s contested status, malleable character and hybrid nature. In: OBADIA, Lionel; PACE, Enzo (org.). The sociology of yoga, meditation, and Asian asceticism. Leiden: Brill, 2023. p. 41–58. DOI: 10.1163/9789004686250_004
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