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O dito, não-dito e o interdito: Discursos Yoguicos

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Uma coisa é inegável, convivemos com um mal-estar que nunca será totalmente solucionado. Isso precisa ficar claro a você, pequeno-gafanhoto do yoga que se “converte” (sente o chamado ou faz uma transição de carreira) ao yoga: você (eu e o rabo do tatu) não sabe e nunca saberá verdade oculta alguma, pois ela (A Verdade) não existe como substância a sua espera. 


Quando adentramos no campo simbólico do mundo social onde nascemos, perdemos a plenitude que nos constitui antes de sermos qualquer outra coisa que passamos a acreditar que somos, melhor, que desejam que sejamos. Não somos nada, mas passamos a buscar - a vida inteira - o que sentimos antes de nos tornarmos sujeitos no mundo: daí passamos a desejar o que éramos antes.


Sentimos isso de novo, de leve, em processos meditativos/yoguicos e nos apaixonamos por aquele sentimento “oceânico”.


É que não há sujeito fora do discurso que nos constitui. Suportar o real é impossível e viver na fantasia/imaginário nos torna solitários e desconectados com a realidade circundante. É necessário intermediar, por isso inventamos um corpo simbólico organizado por máquinas estruturais que nos informam quem manda, quem trabalha, quem goza e quem perde no rolê.


A máquina estrutural do discurso do Mestre trabalha em seu nome, insistindo em lhe direcionar sobre a verdade, mas ocultando que, em seu âmago, ele próprio não sabe - ou que sabe, diz respeito a ele e não a um suposto universal que ele representa. Há outro discurso também, daquele que visa normatizar de forma administrativa, racional, classificativa a suposta verdade yoguica, operando numa pretensa neutralidade. Este yogue-universitário aparece com semblante protocolar clínico, tecnocrata e científico do yoga: samadhi é uma combinação específica de neurônios, hormônios e áreas encefálicas p.e.


O mais comum, vira tudo ao avesso. É o Yogar Sem-linhagem que, histericamente, reivindica outro que diga o que “realmente” é - a questão é que este nunca chega, nunca é suficiente. Este interpela o mestre e, ao fazê-lo, produz saber. Esta máquina estrutural discursiva institui um sujeito-yogue que o dispõe interrogando, desestabilizando e forçando a criação de novos saberes yoguicos.


Há um último discurso yoguico que visa desmontar o poder, abrindo espaço para uma experiência do sujeito com o seu próprio real. Este yogar entra em operação quando não se deixar capturar nem pelo Mestre, nem pelo Técnico ou o Pedagogo, mas sustenta a potência crítica e desidentificante de seu próprio discurso. 


Mais simples, enquanto o Mestre do Yoga manda sem saber, mantendo o sujeito-yogue barrado como uma verdade oculta; o Tecnocrata do Yoga, desloca o saber (de uma suposta verdade universal que os yogas carregariam) no lugar do agente, i.e., o saber se transforma em agente oculto - me faço entender aqui? Quem guia não é mais um mestre, mas um “Saber”. Já os Histéricos do Yoga, fazem “os mestres trabalharem”, pois interrogam as leis, promovem revoluções para mostrar aos assujeitados yoguicos as contradições e incongruências, mas exigem que um novo Mestre surja para os guiarem, apontarem o caminho “certo” rumo a verdade - se ligou no rolê? O Yogue Desalinhageado insiste na postura do yogue em falta (ele não acredita mais na plenitude como “linha de chegada”): está de pé sem medo ou esperança. Ele demonstra com seu yogar da falta e sem-linhagem (e não contra elas) opera por um Isso que não será recuperável, mas o insiste como causa do seu desejo em continuar existindo “apesar de”. Estes yogues tendem a ocupar o lugar do Mestre, mas servindo de contraponto ao que deveria ser o discurso de quem sabe que não sabe, pois estão dispostos a enfrentar suas faltas em posição de agente e convocando outros yogues divididos (entre busca de mestres, pedagogos e histéricos) a produzirem, eles mesmos, seus próprios saberes. Yoga aqui é aliado e não objeto de conversão como garantia de uma Verdade, que estes compreendem também ser maya


Texto inspirado nos Quatro Discursos em Lacan.

 
 
 

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