Há um discurso hegemônico que “pegou” sobre a história do yoga: o primeiro é haver uma história linear de acúmulo de conhecimento yoguico da pré-história até o Vedas; a segunda é que o YS seria sua primeira sistematização “lógica e racional”.
Por escavações arqueológicas sabemos que existiram povos originários não-védicos, os drávidas, onde um proto-yoga poderia já existir (mas de um “jeito” que não conhecemos). Eram coletivos urbanos e com intenso contato comercial com os povos da Suméria e Mesopotâmia (hoje o sul do Iraque e Síria e politeístas). Portanto, é lícito pensar conviverem com tradições religiosas múltiplas.
Outro achado são sinetes de barro em que aparece alguém (aparentemente) em mulabandhasana, atribuído a Shiva, portanto, a pré-história do yoga surge desde tempos remotos entre os drávidas e não arianos (coletivo q deu origem ao povo védico).
Então da de onde veio o yoga? Isso é um mistério ainda. A presença do yoga nos textos védicos (cultura aryana e não dravídica) são difusos e muito discutíveis; o que se sabe é haver relatos de prováveis yogis nos hinos do Rigveda do livro X, p.e., mas como referência a “ascetas extremamente poderosos, de longos cabelos” que fascinam o poeta védico que o contempla.
É só tardiamente, nas upanishads, onde a cultura védica é “substituída” pela bramânica, que um filósofo vedantino (Shankara, século VII-IX) discorre explicitamente sobre o Yoga. Assim, os textos do Vedanta sobre Yoga são versões bramânicas sobre o tema, sacou? É irada, mas é uma dentre outras tradições yoguicas. No século X surge os rolês da tradição dos hatha-yogiNIs, com uma nova pegada com forte apelo budista, tântrico e sufi (mística do islã).
O atual governo de extrema-direita hindu da Índia tenta fazer colar que a cultura dravídica (povos originários do continente indiano) é uma proto-cultura sânscrita, ou seja, proto-hinduísta por tabela e montou até um ministério do yoga (a la Damares). Mas as origens do yoga se perdem no tempo e tudo leva a crer haver inúmeras tradições yoguicas, sem origem-raiz, mas rizomática|nômade.
E você faz parte dela hoje.
Esses yogas que exaltam o Oriente como “berço da sabedoria espiritual” perdida com a “racionalização” Ocidental é fruto de uma representação europeia que herdamos como colonos. É de uma imensa contradição os que defendem tal ponto, pois jogam o jogo oposto da proposta yoguica: o fim da alienação. A desalienação (vidya) exige alteridade, ou seja, saber de sua singularidade pela diferença do Outro.
Mais simples, a práxis yoguica exige certo grau de isolamento, de encontros com a solitude e silêncio, não para exacerbar um individualismo competitivo narcísico de quanto eu sou + em comparação, mas que eu sou primeiro, e após como as interações com outros do meu coletivo me afectam, produzindo contradições a superá-las. Esse é o princípio básico. O yoga como símbolo oriental Virgem, puro, paradisíaco foi construído como representação do que europeus gostariam de estar vendo. É a “chance” de restarte da desilusão depois de suas próprias espiritualidades “estarem corrompidas”.
Entrementes, esse processo causa uma total alienação (avidya), tanto entre muitos yogiNIs indianos modernos (“orientais”) quanto aos yogiNIs “ocidentais” (outra invenção), que vivem acreditando num “santíssimo Graal” yoguico que preservam numa “arca da aliança” na tronqueira de suas salas de prática, como proteção a todos os “espíritos zombeteiros” que apontam suas contradições ou vivem “yogas diferentes”.
Conhecer a si-mesme exige escapar da dívida infinita espiritual inculcados do yoga como fetiche|feitiço. Para isso só uma contra-demanda que desanime yogas-mercadoria e yogas-igreja. Para isso acontecer muita arruda, suryabedhana e a malandragem do estar à espreita.
Comments