Sociedade Hatha-Yoguica Siddhizeira
- PhD. Roberto Simões

- 17 de out.
- 4 min de leitura

Ler um texto do hatha-yoga é se encontrar com o absurdo de corpos imortais de linguagem cifrada e atravessada pela alquimia, "corpos perfeitos" e circulação de uma fisiologia simbólica impenetrável aos que desejam encontrar ecos na biomedicina. Yogues do Corpo são aqueles que não temem colapsar a racionalidade, falir a linguagem e despedaçar o sujeito humano (estes assujeitados ao ordenador de realidade social hegemônico). Hatha-yogues em específico não são fiéis à coerência, mas as frestas ou fissuras da realidade.
Um yogar-corporal maduro se desloca por meio das tensões que provoca e não das concordâncias, pois são irreconciliáveis, por isso mesmo, vivos - com suas tradições, linhagens, idiomas e métodos. A razão humana não encontra saída por entre a fratura que a verdade gesta, traindo a linguagem quando busca encontrar o centro do sujeito; hatha-yogue, portanto, é, e sempre será despedaçado, como toda a corporeidade xamã que vale a pena levar a sério em suas loucuras e idiossincrasias. Muito mais do que buscar a “iluminação” entre yogues-feiticeiros, se aprende a dançar improvisando com eles não na construção de significados, mas na resistência destes à ruptura que visitam e se afundam.
Em toda linguagem simbólica hatha-yoguica está ali a sua falta (representada pela busca da plenitude, pois ninguém completo medita sobre alcançar um lugar em que nada falta) e a alienação (ou avidya) - muito mais do que fim da ilusão ou maya, pois yogues-siddhizeiros se alimentam da travessia de suas fantasias construindo pontes imaginarias. O paradoxo e a crise habitam os corpos em falta de hatha-yogues bailando no entre. É que o trauma e a ausência que insistem se expressar irrompem a todos que resistem simbolizar na linguagem. Aqui, neste choque entre o que desejamos significar, se enlaça a falta de propósito vivido. No entanto, afastados das estruturas de significados que hatha-yogues maduros experimentam em práticas de silêncio e “esforço corporal” (tapas) causam angústias e afundamentos. Veja só que contradição.
Yogar-corporal é desmantelar qualquer tentativa de crença num mundo universalmente racional; por isso buscam o liminar ou bordas a se agarrar. Toda certeza é uma máscara que esconde o horror da vida vivida. O fim de maya representa tudo o que disfarça a verdade como explicável. Não é à toa que Shiva carrega uma lua e não o sol na cabeça, pois é depois das 18h que os hatha-yogas se desvelam matando o sonho humanista de um eu integral.
Então o que resta são fissuras, a impossibilidade: “a verdade tem a estrutura de uma ficção”, afirma Lacan. Vivemos caminhando, deste modo, entre a ausência de sentido e a necessidade de inventar um que também possa ser compartilhado (ao menos, compreendido por outros). Mas vale a pena continuar vivendo sem um valor dos valores ou significado superior? É aqui que o silêncio se força enunciação (do que não pode ser dito, mesmo assim, presente). É um hatha-yogue tolo aquele que aceita o conforto do conhecimento final e das garantias transcendentais. Este não soube ler as escrituras que tanto preza e se devota como um escriba e exegeta. Somos fissuras ou brechas que não precisam ser preenchidas, afirma hatha-yogues com maturidade espiritual.
A linguagem hatha-yoguica de suas escrituras são sagradas justamente, pois cindidas; elas não operam como ferramentas ou tecnologias, mas territórios onde vivem nômades e selvagens. Mais simples, a verdade irrompe como erro, sintoma, fracasso silencioso, praticado como reza no altar dos corpos que nos habitam como fendas, não mestres sempre fieis a pergunta e nunca respostas finais. A imortalidade que os yogues-corporais afirmam simbolizam o “não-final” e sem solução, continuam, assim, vivos; mas viver é não-saber.
Todo yogar do corpo é igual ao N-1. Sei que parece absurdo, insano ou demagógico, mas dizer isso é um gesto que recusa ao hatha-yogar que se transforme em idolatria e certeza do fim do sofrimento ou de qualquer coisa que se mostre certa e perene. Afirmar que yogar de corpo é N-1 nos devolve a instabilidade, descontraindo toda busca por concretude. Não é absurdo, mas estratégia que deixa os hatha-yogues à espreita (e não no clichê do “momento presente”) e realmente em atenção relaxada - aquela que não espera nada a não ser o que só nós poderíamos estar-sendo, um nós que não é nada, mas pode vir-a-ser.
Yogar não como sacerdócio (lugar confortável dos yogues mokshianos - o que sabem), mas encantarias ou território siddhizeiro. O ininteligível não é paradoxal, mas método no yogar siddhizeiro ou das encantarias (siddhis). O que é óbvio aos hatha-yogues distraídos buscando moksa significa repetição ao siddhizeiro; pois estes, abrem caminho pela confusão. (Des)Entenda isso: “diminuir o turbilhão da consciência” (cittavrttinirodha) atrasa, desvia e interrompe - o aumento dos vrrtis REPETE. Deste modo, compreender algo (viveka) é mudar de posição/perspectiva e nunca apreender significado. Yogue do Corpo não busca conhecer, mas se transformar. Ele fala e se comporta diferente (estranho, esquisito), ouve por meios outros, não é o yogue-corporal diz após suas práticas e vivências, mas o que ele provoca ao ouvinte, pois ele escreve como um sonhador - dando voltas, deslizando e retornando. É que não ha um lugar para chegar donde se sabe que “tudo é ponto B”.
Toda pedagogia hatha-yoguica siddheira ou encantada não explica, provoca.




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