Yoga, Espiritualidade e Marxismo: para uma Práxis Crítica no Sul Global
- PhD. Roberto Simões

- 19 de jul.
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Resumo: O presente ensaio propõe uma articulação entre espiritualidade, yoga e crítica marxista a partir da leitura da introdução do livro Marx, Marxism and the Spiritual (2020). Argumenta-se que, diante da apropriação neoliberal do yoga e da separação moderna entre corpo e política, torna-se urgente resgatar a potência emancipatória do yoga enquanto prática de transformação ética e social. Inspirado por autores como Foucault, Levinas, Bloch e Dussel, e pelas tradições ióguicas não-duais, defende-se uma espiritualidade encarnada, crítica e imanente como aliada à reinvenção do marxismo no Sul Global.
Palavras-chave: yoga; espiritualidade; marxismo; decolonialidade; Sul Global.
Introdução
A espiritualidade, nos marcos da modernidade ocidental, foi frequentemente deslegitimada pelo pensamento crítico de esquerda, associado a uma tradição iluminista, racionalista e materialista. No entanto, como defendem Chakrabarti, Dhar e Kayatekin (2020), a rejeição da espiritualidade pelo marxismo não é uma exigência conceitual do pensamento de Marx, mas uma hiperseparação construída posteriormente por ortodoxias ideológicas que eliminaram o potencial ético, afetivo e subjetivo do projeto emancipador marxista. Neste ensaio, proponho que o yoga — particularmente quando retomado em chave crítica e decolonial — pode ser pensado como prática espiritual aliada à transformação social, ajudando a religar corpo, ética e práxis no contexto latino-americano contemporâneo.
Marxismo, espiritualidade e autocrítica
A coletânea Marx, Marxism and the Spiritual propõe recuperar uma espiritualidade imanente, voltada à transformação de si e à construção de uma humanidade social (CHAKRABARTI; DHAR; KAYATEKIN, 2020). Inspirando-se em Foucault, Levinas e Ernst Bloch, os autores argumentam que sem autocrítica e sem atenção à subjetividade, o marxismo tende a repetir estruturas de dominação e violência. É necessário pensar a transformação não apenas em termos estruturais, mas também subjetivos, éticos e afetivos — campo no qual práticas espirituais e corporais como o yoga ganham relevância. No Brasil, o yoga se expandiu majoritariamente como produto de bem-estar, autocuidado e performance — articulado à lógica do neoliberalismo e da espiritualidade mercantilizada (CARVALHO, 2020). Plataformas digitais, gurus empreendedores, práticas centradas na estética corporal e na autoajuda difundem um yoga individualizante, despolitizado e esvaziado de historicidade. Trata-se de uma forma de espiritualidade que, como critica Chakrabarti et al. (2020), serve mais à gestão subjetiva do sofrimento capitalista do que à sua superação.
No entanto, existem outras linhagens do yoga, especialmente aquelas ligadas ao Śivaísmo da Caxemira, ao Tantra e às práticas populares do Nātha Yoga, que oferecem cosmologias não-duais e perspectivas corporais que recusam a cisão entre matéria e espírito (WHITE, 2012; MALLINSON; SINGLETON, 2017). Essas tradições podem ser retomadas como base para um yoga crítico e insurgente, voltado à ética, à atenção e à transformação social. Assim como a teologia da libertação — pensada por Dussel (2020) como sinthoma da Igreja institucional — esse yoga pode operar como sinthoma da espiritualidade neoliberal hegemônica.
A proposta de Chakrabarti et al. (2020) não é submeter o marxismo à religião, mas repensá-lo a partir de uma espiritualidade secular, ética e compassiva. O yoga, entendido como askesis — exercício ético de si sobre si — pode contribuir nesse projeto, oferecendo práticas que reeducam o corpo, o desejo e a escuta. Essa perspectiva se articula com as críticas decoloniais ao epistemicídio moderno (QUIJANO, 2005) e com experiências populares e comunitárias que articulam espiritualidade e política na América Latina.
Considerações Finais
Ao articular marxismo, espiritualidade e yoga, propõe-se uma práxis que recusa tanto o espiritualismo escapista quanto o materialismo reducionista. O yoga pode ser uma ferramenta ética de reinvenção subjetiva e política, contribuindo para a construção de um socialismo sensível ao corpo, ao desejo e à escuta do outro. Como escreve Rumi: "Não sou do Oriente nem do Ocidente... Sou o sopro que atravessa todos os seres" — talvez o yoga possa ser essa respiração encarnada de uma nova práxis no Sul Global.
Referências bibliográficas
CARVALHO, Luiz Alexandre S. de. Espiritualidade e neoliberalismo: a captura do sagrado pelo mercado. Petrópolis: Vozes, 2020.
CHAKRABARTI, Anjan; DHAR, Anup; KAYATEKIN, Serap A. (Orgs.). Marx, Marxism and the Spiritual. Londres: Routledge, 2020.
DUSSEL, Enrique; HODGSON, Irene B.; PEDROZO, José. Liberation Theology and Marxism. In: CHAKRABARTI, Anjan; DHAR, Anup; KAYATEKIN, Serap A. (Orgs.). Marx, Marxism and the Spiritual. Londres: Routledge, 2020. p. 117–128.
MALLINSON, James; SINGLETON, Mark. Roots of Yoga. Londres: Penguin Classics, 2017.
QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 21, n. 58, p. 117–131, 2005.
WHITE, David Gordon. Sinister Yogis. Chicago: University of Chicago Press, 2012.




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